quinta-feira, 4 de abril de 2024

a brisa traz a música

poesia 
em canto
de grama
e areia

não contorna

um mar 
de memória

ítalo puccini

quinta-feira, 14 de março de 2024

o homem que amava caixas

    sou eu. também. tal como o pai que constrói caixas para brincar com o filho e assim consegue demonstrar a este que o ama, história contada por stephen michael king no livro homônimo a esta croniqueta. 
    o amor por gestos quando não se consegue por palavras.
    e gatos e gatas são gestos: caminham se deitam se banham comem e bebem urinam e defecam correm e saltam se esfregam se alongam. um recital poético gestual. é um tango, diz paola, enquanto admiramos o bailar corpóreo de baden e guima e dudu e mima. 
    porque agora vivemos assim: uma criança duas pessoas adultas e quatro felines.
    o oi matinal é quase uma peregrinação. 
    como imaginávamos, dudu e guima estão muito próximos: passam a maior parte do tempo na sala ocupando tapetes e pufes e sofás. são os dois mais atentos aos movimentos do lar e os mais sociáveis inclusive diariamente dando seus rolês pelo corredor do andar; enquanto baden e mima se aproximam pelo incômodo que sentem diante de qualquer estranheza sonora, motivo pelo qual costumam estar juntos embaixo de móveis e camas, refugiando-se na própria paz felina. 
    quando o amor humano envolve animais, rapidamente é possível que o número destes seja superior: por décadas eu neguei ter gato ou gata, alegando rinite; depois cogitei apenas um ou uma, especialmente influenciado por minha mãe, que adotou o nino, um fofoquerido; e há dois anos foi ela quem me convenceu a trazer para minha vida um par de manos, devidamente cronicados aqui. agora dois se tornaram quatro. e se tudo der certo em breve serão oito etc.
    assim como oito poderiam ser as caixas espalhadas pelo apartamento. mas me contento com três ou quatro basicamente uma para cada feline. a conta não fecha com exatidão porque a mima não se aventura nessas estripulias, sendo raríssimo o momento em que ela entra em uma. ao contrário dos três meninos, que se jogam dentro das caixas e as reviram como podem incluindo as de ovo. 
    e, tal qual o homem lá do título, pelas caixas eu demonstro e sinto meu amor felino. mas sem desconsiderar as palavras. e os beijinhos e amassos e cuticuti etc que toda relação saudável envolve. 
    eu me vejo também nos versos cantados por lô borges em “como o machado”: “aprendi a ser como o meu gato / que descansa com os olhos abertos”. tenho tentado isso. tenho também folheado livros à procura de poemas sobre esses felines. com certeza o melhor fazer nada do meu dia. e quero aprender a dormir ainda mais o máximo de tempo possível. bocejar alongar e dormir de novo. narcolepsia. correr um pouco mas sem grandes esforços. brincar. 
    espalhar a vida pela casa.
    embaixo do sofá e da geladeira inclusive reside o inconsciente coletivo felino. de bolinhas barulhentas pelúcias e pedaços de caixas. porque também são territorialistas gatos e gatas mas sem patriotismo. outro exemplo de superioridade felina. por gestos, sem palavras. 

ítalo puccini

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

resoluções de ano novo bissexto

solidão
flores murchas
amigdalite

palestina livre

inverno
óculos tortos
engarrafamentos

regulamentação das redes 

ansiedade
futebol na tv
traição

amazônia protegida

açúcares
carnaval em casa
lobotomia

ítalo puccini

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

mar tupi

as conchas
em itapirubá
formam pedras

ítalo puccini 

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

eremita

pelo espectro
me fiz humano

exaurido 
de um passado
em solidão

hereditária

meu calcanhar de aquiles

o orgulho
na nuca
de um sono

pragmático

ítalo puccini

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

de tudo se faz canção





as vírgulas estão lançadas
em livro no qual propositalmente não há vírgulas somente pontos finais de modo que o ritmo de leitura seja definido por quem lê. 
barthes gostaria disso. 
de orelha escrita por tiago importante incentivador da ideia de que as narrativas tramadas em versos musicais compusessem um livro essa obra integra a coleção ficções avulsas da editora medusa de ricardo e eliana ele poeta ela artista plástica também entusiastas dessas vírgulas já divulgadas em pato branco e curitiba cujo próximo lançamento será em jaraguá do sul no macuco em dezembro. 
meu agradecimento especial aos três assim como aos leitores e às leitoras que farão nascer novos textos a cada novas leituras.

ítalo puccini

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

um convite que requer cuidado

 

é um livro pequeno. de capa toda amarela chamativa. ainda mais quando verificado o nome de quem o escreveu: tim burton. o cineasta que dirigiu filmes como "Edward, mãos de tesoura", "A noiva cadáver", "A fantástica fábrica de chocolate", "Peixe grande" e "Alice no país das maravilhas". ele mesmo é o autor de  “O triste fim do pequeno menino ostra e outras histórias”, livro cujo título, ao contrário da capa, talvez não atraia em um primeiro momento, nem mesmo em um segundo olhar. pois não é fácil se encantar por histórias no mínimo pitorescas, para não dizer assustadoras.
        da forma como o livro é construído, com ilustrações feitas pelo próprio autor – que remetem ao traço já característico em seus filmes, misturando susto e encanto, cores e preto e branco – e com a escrita das narrativas em versos, passa-se a impressão de ser um livro destinado ao público infantil, que conquista pelo encantamento entre imagens e histórias, quase como se fossem poemas. mas eis o engano. esses textos de burton são narrativas que apresentam a poesia trágica e desconcertante do viver.
        há, por exemplo, narrativas como esta:
 
        “O melão melancólico
 
        Era uma vez um melão melancólico.
        Passava o dia inteiro macambúzio.
        Querendo a hora do próprio velório.
 
        Ora, cuidado com os teus pedidos!
        Pois o dele foi de pronto atendido.
        O último som que entrou em seus ouvidos
        Foi o “ploft” em que acabou dissolvido”.
 
        e outras mais, como a de breno, o menino veneno, que encontra seu triste fim quando é colocado para respirar ao ar livre num dia de verão, o que deixa no leitor a indagação se há contradição de vida mais trágica do que essa. em outro caso, a menina trash, que tinha "a cara suja de carvão / A pele de puro cascão / E uma catinga de gambá" foge do casamento com o gari pulando em um triturador de lixo. e o leitor fica assim mesmo, perguntando-se como e por que este fim a ela? sem contar o caso do menino ostra, o anunciado na capa do livro, que acaba devorado pelo pai, quando este buscava um afrodisíaco para melhorar seu desempenho sexual. e após o enterro do filho a cena é esta:
 
        "Já em casa, na cama quentinha
        Papai beija mamãe, se abraçam
        de conchinha:
        'Vem, meu bem, hoje estou com toda a
        adrenalina!'
 
        'Ok', ela sussurra, 'só que desta vez
        tem de ser uma menina’”.
 
        e a vida segue. como se comer o filho não fosse nada, afinal, basta fazer outro, desde que seja uma menina, segundo a mãe.
        o título do texto que dá nome ao livro, “Triste fim do pequeno menino ostra”, já indica o que há de mais presente na obra: o tom trágico que perpassa as histórias. finais que chocam pela simplicidade narrativa a qual deixa os leitores com cara de paisagem, perguntando-se como foi possível terminar daquele modo tal história.
        há, também, uma construção de personagens nitidamente deslocados de uma suposta normalidade social, característica similar à dos filmes de burton. personagens que existem - ou ao menos tentam - nas laterais, nas sobras, nas rebarbas da existência. conforme consta em uma das orelhas do livro, "Como seus personagens, este livro parece deslocado. Não se enquadra em nenhum nicho. É triste, mas engraçado. É infantil, mas adulto. A mente de Burton é um universo à parte. E este livro parece ser sua melhor radiografia".
        há tudo de infantil na capa do livro, e nos desenhos, e na forma como os textos são escritos e se apresentam a quem os lê. porém, toda leitura requer um cuidado quando direcionada a crianças, no sentido de adequadamente se mediar a interação entre universos tão diferentes como costumam ser os de uma criança e os de uma mente como a de burton.
        por fim, toda leitura pede um momento para acontecer. é preciso respeitar a formação leitora de cada pessoa. e se os filmes de tim burton podem ser menos impactantes, o convidativo livro do cineasta pede um cuidado sobre as possíveis formas de condução de uma leitura. afinal, de trágica já basta a vida, segundo burton.

ítalo puccini

sábado, 23 de setembro de 2023

novas perguntas-neruda

o que pensam os gatos
quando leem neruda

e se amassassem uvas
os felinos

entre pares e ímpares
quais as horas mais coloridas

como escolhe um gato
uma bola para encaçapar

uma sinuca felina se decide
no fio do bigode

ítalo puccini

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

terra do vinho

as árvores 
em urussanga
são também de uvas

ítalo puccini 

quarta-feira, 12 de julho de 2023

delírios

você já tentou destruir uma teia de aranha 
com um sopro

vazam fantasmas da represa
ao pé do ouvido

embaraçadas palavras
em libido de vestal

o avesso da dor
ao descortinar do presente

ítalo puccini