bernardo ganhou, no aniversário de 9 anos, um novo uniforme do grêmio. camisa tricolor, aquele azul preto e branco em tons vibrantes, número 10 às costas, short preto com o símbolo à direita. no dia seguinte, vestiu o uniforme completo e foi à rua brincar e ser mato - tal qual o personagem homônimo de manoel de barros, um andarilho desprendido do mundo material cuja sintonia maior se dá com a natureza. porém antes bernardo fez duas perguntas determinantes para continuar ou não com a vestimenta escolhida: quem é o inimigo do grêmio? quantos mundiais cada um tem? e, ao saber que tanto grêmio quanto inter têm um mundial, bernardo disse: ufa. e manteve a escolha pelo uniforme para aquele momento, dias após um jogo de sul-americana no qual, na própria arena, o grêmio fora eliminado. mas bernardo não soube desse jogo, como não sabe de praticamente nenhum jogo, tanto faz se do grêmio ou do inimigo ou de qualquer outro time. bernardo e o futebol estão se aproximando aos poucos, timidamente, sem cobranças sem promessas sem compromisso. certamente pela memória.
isto porque o uniforme dado pelo tio e pela tia é o segundo que ele ganha. o anterior já não serve mais, foi um presente do avô materno alguns anos atrás, este avô que é para bernardo seu torcedor favorito. bernardo diz não ter um jogador favorito, ou seja, um ídolo em campo, mas tem, segundo ele, um torcedor favorito: o vovô elemar - gremista devoto de renato gaúcho. falecido há três anos, seu elemar assistia a todos os jogos do grêmio e de quem mais estivesse jogando - incluindo os do tal inimigo, pois, como bernardo começa a aprender, conquistas se medem pela comparação, logo, não basta apenas ganhar, é preciso também que o outro perca, motivo pelo qual bernardo não aceita o empate como um resultado possível, seja num jogo esportivo, seja em brincadeiras infantis.
hoje bernardo começa a se assumir gremista como forma de manter com o avô a ligação que sempre tiveram. e por enquanto essa conexão é suficiente para bernardo, que não faz questão de assistir a jogos e não se interessa muito em saber dos resultados. inclusive, em uma noite qualquer de um jogo qualquer de uma qualquer modorrenta fase de grupo de libertadores, ao qual eu teimosamente assistia na tv da sala, bernardo me perguntou quanto estava o placar, ao que respondi que terminara um a um, e ele indignado questionou como podia que ninguém tivesse ganhado ou perdido. e naquele momento bernardo escancarava um dos absurdos desse esporte, afinal, se uma disputa se estabelece e ao término dela não há vencedores e perdedores qual o sentido de ela ter acontecido?
assim, ignorando as regras que enfadonham o futebol, bernardo expõe as amarras desse esporte ao sol e à sombra de eduardo galeano, para quem brincar com a bola na américa latina se baseia no prazer e na alegria de ser como o pássaro que canta sem saber que canta. e a bernardo, que por enquanto não conhece galeano mas já se arvorou em maneca, basta saber que vestir grêmio é vestir o vovô, ressignificando essa raiz gremista. de preferência com no mínimo a mesma quantidade de mundiais que o inimigo.
ítalo puccini
