terça-feira, 12 de novembro de 2019

fazer poema lá na vila é um brinquedo

     e ouvir tuas composições, noel, é conhecer um cotidiano rio de janeiro de outrora – cidade sensível, irresistível, cidade do amor, cidade mulher – ou, mais precisamente, a vila isabel, tão bem retratada por ti: “são paulo dá café / minas dá leite / e a vila isabel dá samba”. é o viés que pega o ouvinte e o leitor no contrapé, que faz dançar os galhos do arvoredo, que faz a lua nascer mais cedo. são teus versos os que fazem isso ao cronicar assim em forma de samba, noel. 
     samba este que não se aprende no colégio, sabemos, cujas rimas não são ai love you. nem no teu tempo, nem no meu. e por isso mesmo que vezemquando apresento a estudantes algumas amostras musicais desse gênero tão brasileiro, pensando que talvez se identifiquem com o ritmo ou com os escritos. se não pela possibilidade de se sentirem tocar pelos versos, ao menos apresento uma composição assim rica: “o sol da vila é triste / samba não assiste / porque a gente implora / sol, pela mor de deus / não vem agora / que as morenas / vão logo embora”. 
     e ouvindo-te eu aprendi que a vila não quer abafar ninguém, e sim apenas mostrar que faz samba também e que é uma cidade independente, não disposta a tirar patente. é o tal feitiço que há na vila, lugar onde o que não faltava era conversa de botequim e exigência de um bom atendimento do garçom. aliás, qual foi o resultado do futebol por aí? aqui só dá flamengo. também não sei vestir casaca, não sou um tipo zero do tipo que não tem tipo que com todo tipo se parece. 
     e, tendo ou não cem mil réis, não há quem não cantarole o refrão de “com que roupa?” nos momentos, bastante frequentes, em que ficamos a matutar o que vestir. ah, tu sabias o que dizias. ô, se sabias: “quanto a você da aristocracia / que tem dinheiro mas não compra alegria / há de viver eternamente sendo escrava dessa gente / que cultiva a hipocrisia”. machado de assis te aplaudiria, tenho certeza. inclusive, um dia eu gostei de uma vida boêmia. hoje, eu prefiro os amigos. afinal, onde está a honestidade? eis o xis do problema, tal qual estava lá naquela carta que tu recebestes: “quem é da boemia / usa e abusa da diplomacia / mas não gosta de ninguém”. 
     permita-me, noel, para finalizar esta breve conversa, uma pergunta-cretina: paixão não te aniquila? olha que te vejo muito naquele gago apaixonado, hein? mas não vou insistir nessa vereda, não. com paixão não se brinca. é preciso um bocado de respeito pelo sentimento do outro, afinal, “um grande amor tem sempre um triste fim” e “quem suportar uma paixão / sentirá que o samba então / nasce do coração”. como um último desejo. 

ítalo puccini