terça-feira, 26 de novembro de 2019

e essa taça vamos conquistar

     vamos flamengo não há palavras com que eu possa definir não há palavras com que eu possa exprimir o que é ser flamengo é uma glória no cenário mundial eu sempre te amarei onde estiver estarei ó meu mengo e domingo eu vou ao maracanã flamengo joga amanhã eu vou pra lá o maraca é nosso vai começar a festa sai do chão sai do chão a torcida do mengão a bola rola e essa galera vai vibrar diz o gramado sai da frente é o mengão sempre amado o mais cotado seja na terra seja no mar quando o flamengo joga é casa cheia o maraca é nosso somos uma nação é lindo ver o mengão contagiando essa torcida essa cidade são dez estrelas a brilhar no céu do meu mengão o céu na noite que reluzia não vai ser de brincadeira ele vai ser campeão encantou o estácio ó paixão que arde sem parar cobra coral papagaio vintém vestir rubro-negro não tem pra ninguém acima de tudo rubro-negro teu manto é minha pele no meu peito teu escudo campeão o seu destino é ganhar em terra e mar ele vibra ele é fibra é time de tradição raça amor e paixão ó meu mengo estou sempre contigo somos uma nação os meus olhos estão brilhando meu coração palpitando de tanta felicidade fecho os olhos e lembro em dezembro de 81 botou os ingleses na roda e quem enfrenta reconhece o maior da história é mengo tengo no meu quengo é só flamengo tens na torcida uma força sem igual flamengo da dona de casa do povo sofrido do trabalhador meu glorioso flamengo cada jogo uma vitória cada vitória um carnaval flamengo do sul e do norte de todos os cantos de toda nação ó meu mengão eu gosto de você no asfalto e no morro é o bonde do mengão sem freio três a zero no liverpool ficou marcado na história vamos flamengo vamos ser campeão vamos flamengo time consagrado pelo povo preto encarnado idolatrado sua história sua glória seu nome é tradição é samba amor e paixão a minha maior alegria é ver o mengo campeão vamos fazer desse samba oração e do clamor dessa massa procissão cem anos de uma história quanta tradição vai flamengo balança a rede do adversário quero cantar ao mundo inteiro a alegria de ser rubro-negro lembrar você sou campeão mundial vamos buscar no sonho na filosofia na ciência e na magia explicação pra essa religião que a gente só pode sentir com o manto sagrado e a bandeira na mão é o ai jesus que torcida é essa por isso que digo uma vez flamengo sempre flamengo e agora o seu povo pede o mundo de novo zum zum zum zum zum zum a torcida quer mais um e o nome dele são vocês que vão dizer dale dale dale ô dale dale dale ô flamengo maravilhoso cheio de encantos mil mengão do meu coração flamengo maravilhoso campeão do meu brasil eu sempre hei de ser não importa onde esteja sempre estarei contigo que o seu futuro ainda será mais lindo que o seu presente que tão lindo é

ítalo puccini

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

hoje eu quero estar só

     parafraseando o lenine. o que não significa querer estar sozinho. e sobre solidão e multidão eu me recordo de uma temática bastante recorrente na literatura, talvez clichê justamente devido à recorrência: a dualidade aparência versus essência, muito presente por exemplo em machado de assis, que a abordou em variados romances e contos. a citar estes, creio que valem “o enfermeiro” e “um homem célebre”, além do romance introdutor do realismo no brasil “memórias póstumas de brás cubas”, afinal, nessas três histórias os personagens – principais e secundários – preocupam-se com o que aparentam aos outros, movendo-se, nessa obsessão, por vezes em caminhos contrários à essência que os constituía e por fim se sentindo sós de uma maneira bastante sofredora. o oposto de mim.
     em “o enfermeiro”, por exemplo, o personagem principal, narrador, após a morte do homem rude de quem cuidava, felisberto, sofre um drama de consciência, intensificado pela herança do enfermo, e a culpa o atormenta, num primeiro instante, ao questionar a possibilidade de ficar ou não com tal dinheiro, uma vez que fora ele quem matara o velho, após uma briga corporal – porém, as pessoas, não sabendo da causa mortis, elogiavam-no, por suportar durante tanto tempo cuidar de alguém tão rabugento. já o personagem de “um homem célebre”, pestana, vive e morre frustrado, em função de que, sendo um compositor de polcas, nunca assim se satisfez; queria mais, desejava criar obras clássicas. o destino lhe mostra que nascera para aquilo de que não gostava e assim morre bem com os homens e mal consigo mesmo.
     ainda, essa dualidade entre aparência e essência consta na poesia, encontrada nestes dois poemas: “mal secreto”, de raimundo correia, e “ante um cadáver”, de murilo mendes, sendo que o primeiro, poeta parnasiano, preocupado com o rigor formal do texto, escreve sobre o quanto a necessidade de ser socialmente aceito induz o indivíduo a agir de forma dissimulada:

“Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse o espírito que chora
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja a ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!”

     enquanto o segundo, poeta modernista, mais afeito à liberdade formal, apresenta um olhar relacionando a aparência ao que há de inútil em nós, e a essência à solidão, afinal, é quando estamos sós que temos a oportunidade de sermos quem de fato somos:

“Quando abandonaremos a parte inútil decorativa do nosso ser ?
Quando nos aproximaremos com fervor da nossa essência,
Partindo nosso pobre pão com o Hóspede
Que está no céu e está próximo a nós?

Para que esperar a morte a fim de nos conhecermos...
É em vida que devemos nos apresentar a nós mesmos.
Ainda agora essas coroas, esses letreiros, essas flores
Impedem de se ver o morto na verdade.
Estendam numa prancha o homem nu definitivo
E o restituam enfim à sua prometida solidão.”

     e é nesse viés em que me encontro e com o qual me identifico: de mais solidão e menos companhias, desde a infância enveredando por essa escolha, constatação que algumas sessões de análise terapêutica me ajudaram a assimilar e a entender enquanto comportamento essencial em mim, logo, distante de um sofrimento comumente associado à solidão, presente, a exemplo, nas ficções citadas. desse modo, uma vez isolado, sou “um homem mais sincero e mais justo comigo”, conforme canta o falcão, d’o rappa, e se atenua em mim uma suposta falta do outro, pois minha essência advém justamente da introspecção, do recolhimento e da energia poupada ao evitar interação desnecessária porque desinteressante. 
     daquilo que não me acrescenta eu me afasto, em terapia também compreendi. apego-me, pois, à literatura – à identificação com alguns escritos e à tentativa de escrever – da mesma forma que eu poderia abraçar-me à bebida ou aos encontros sociais. todas escolhas, sempre atreladas a renúncias. e como é bom saber se desprender daquilo com o qual não há identificação, sem necessidade de recorrer à extenuante aparência.

ítalo puccini

terça-feira, 12 de novembro de 2019

fazer poema lá na vila é um brinquedo

     e ouvir tuas composições, noel, é conhecer um cotidiano rio de janeiro de outrora – cidade sensível, irresistível, cidade do amor, cidade mulher – ou, mais precisamente, a vila isabel, tão bem retratada por ti: “são paulo dá café / minas dá leite / e a vila isabel dá samba”. é o viés que pega o ouvinte e o leitor no contrapé, que faz dançar os galhos do arvoredo, que faz a lua nascer mais cedo. são teus versos os que fazem isso ao cronicar assim em forma de samba, noel. 
     samba este que não se aprende no colégio, sabemos, cujas rimas não são ai love you. nem no teu tempo, nem no meu. e por isso mesmo que vezemquando apresento aos meus alunos algumas amostras musicais desse gênero tão brasileiro, pensando que talvez eles se identifiquem com o ritmo ou os escritos. se não pela possibilidade de se sentirem tocados pelos versos, ao menos lhes apresento uma composição assim rica: “o sol da vila é triste / samba não assiste / porque a gente implora / sol, pela mor de deus / não vem agora / que as morenas / vão logo embora”. 
     e ouvindo-te eu aprendi que a vila não quer abafar ninguém, e sim apenas mostrar que faz samba também e que é uma cidade independente, não disposta a tirar patente. é o tal feitiço que há na vila, lugar onde o que não faltava era conversa de botequim e exigência de um bom atendimento do garçom. aliás, qual foi o resultado do futebol por aí? aqui só dá flamengo. também não sei vestir casaca, não sou um tipo zero do tipo que não tem tipo, que com todo tipo se parece. 
     e, tendo ou não cem mil réis, não há quem não cantarole o refrão de “com que roupa?” nos momentos, bastante frequentes, em que ficamos a matutar o que vestir. ah, tu sabias o que dizias. ô, se sabias: “quanto a você da aristocracia / que tem dinheiro, mas não compra alegria / há de viver eternamente sendo escrava dessa gente / que cultiva a hipocrisia”. machado de assis te aplaudiria, tenho certeza. inclusive, um dia eu gostei de uma vida boêmia. hoje, eu prefiro os amigos. afinal, onde está a honestidade? eis o xis do problema, tal qual estava lá naquela carta que tu recebestes: “quem é da boemia / usa e abusa da diplomacia / mas não gosta de ninguém”. 
     permita-me, noel, para finalizar esta breve conversa, uma pergunta-cretina: paixão não te aniquila? olha que te vejo muito naquele gago apaixonado, hein? mas não vou insistir nessa vereda, não. com paixão não se brinca. é preciso um bocado de respeito pelo sentimento do outro, afinal, “um grande amor tem sempre um triste fim” e “quem suportar uma paixão / sentirá que o samba então / nasce do coração”, como um último desejo. 

ítalo puccini

terça-feira, 5 de novembro de 2019

a escrita enquanto reparação




     até que ponto a escrita é capaz de reparar algo? é o que tenho me perguntado desde que assisti novamente ao filme “Desejo e Reparação”, dirigido por joe wright, baseado no livro “Reparação”, do ian mcewan. e essa indagação se origina no que nos apresenta a narrativa: a escrita de uma história, por uma das personagens, como forma de reparar um erro cometido por ela há muitos anos. então que eu refaço a pergunta: até que ponto a escrita é capaz de reparar, ou seja, consertar um erro? repara a ação já cometida? ou se transforma em uma obsessão? em portugal, por exemplo, o romance saiu intitulado “expiação”, que, de acordo com o dicionário, significa “ato ou efeito de expiar; reparação ou sofrimento pelo qual se expia uma culpa; castigo”. escrever expia o sentimento de culpa? para responder a isso, acredito que seja bom direcionar a questão, especificar este ato de reparar: a quem ele faz referência?

reparação
briony tallis, com 13 anos e uma mente muito criativa e imaginativa, acusa robbie, o filho de uma das empregadas que trabalhavam para a família tallis, de tentar violentar sexualmente lola, 15, prima de briony, em uma noite – esta que era muito especial, devido à visita do irmão das meninas, leon. tal acusação ocorre quando os primos gêmeos desaparecem durante o jantar, e todos se dispersam para procurá-los, pela grande propriedade onde reside a família. de fato lola estava sendo violentada, mas não por robbie. porém, briony resolve dizer a todos que tinha visto com seus próprios olhos que havia sido ele. 
por que culpá-lo? ciúmes, talvez. egoísmo, como uma tentativa de tornar o dia de alguém tão insuportável quanto fora o seu, repleto de frustrações: uma peça teatral, escrita por ela – para recepcionar o irmão – que não pode ser encenada, por má vontade dos envolvidos (lola e dois primos gêmeos, de dez anos) e duas surpresas desagradáveis, envolvendo a irmã, cecília, e o próprio robbie: a leitura de um bilhete escrito por robbie para ceci (quero beijar sua boceta molhada) e o flagra no momento em que os dois transavam na biblioteca da casa da família. estava completo o dia de briony. havia motivo, na cabeça da menina, para incriminar o garoto pobre cujos estudos foram bancados pelo pai das meninas. 
consequência desses fatos: robbie preso, cecília arrasada, um amor impossibilitado de ser vivido, uma família, a partir de então, dividida. 
a narrativa prossegue mostrando robbie nas forças armadas durante a 2ª guerra mundial, o pouco contato entre ele e ceci – por meio de cartas, como uma forma de manterem viva a paixão interrompida – e briony tentando receber o perdão da irmã, reconhecendo o erro que cometera. 
a menina de imaginação ímpar, que muito arriscara a escrita de histórias quando na infância, realiza o sonho de tornar-se escritora, alcançando, inclusive, bastante sucesso com seus livros publicados. e, já idosa, ao lançar seu 21º primeiro romance, ao qual dá o nome de “Reparação”, narra a história de sua vida, assim como da de ceci e de robbie, a partir daquela noite que marcara a vida de todos eles. porém, no seu livro o casal se reencontra após a guerra e pode, enfim, viver uma apaixonada e sincera vida a dois, algo que, na realidade, não ocorre: ele morre na guerra, pouco antes das tropas voltarem ao país, e ela falece, doente. ambos ainda muito jovens. 

escrita consciente e inconsciente
sem nunca ter sido capaz de escrever sobre o acontecimento que causou, briony consegue fazer isso no último livro, no fim da vida, como uma tentativa de reparar o erro que cometera, de ser perdoada pela irmã e pelo filho da empregada, oportunizando-lhes, na ficção, viverem o que em vida não puderam. e eu retomo a pergunta: até que ponto a escrita desse romance, por parte de briony, reparou o erro que ela cometera? a escrita é capaz de tal reparação? 
não desenvolvi esse texto para alcançar uma resposta. sinto essa questão com muitas variáveis, então que retomo um olhar para o fato: a quem esse ato de reparar faz referência? sendo assim, somente com o movimento de colocar-se no lugar do outro para dar conta de responder a isto. e a personagem, tanto no livro quanto no filme, não me pareceu curada da dor da culpa que durante toda a vida esteve com ela, percepção que me induz a pensar no quanto a escrita é apenas paliativa: nunca solução concreta e efetiva para as dores que carregamos conosco, e sim um meio de nos suportarmos, por mais que tentemos fugir delas a todo custo, pelo tempo que for. 
quantas são as vezes em que escrevemos a alguém com o intuito de nos desculparmos, de reatarmos um elo rompido por algo que causamos? e quando escrevemos para acusar, para gritar aquilo que nos dói, causado, em nossa opinião, pelo outro? é também a escrita como reparação, é também, a meu ver, esse almejo – que nos persegue e nós perseguimos – de colocarmos a vida em um trilho equilibrado, envolvendo princípios como justiça, talvez coerência ou moral. 
é o suficiente, tal escrita? ou, ampliando a indagação: em algum momento a escrita nos é suficiente? torço para que não, uma vez que a incompletude nos é necessária. prefiro pensar que escrevemos também como uma forma de conversarmos conosco mesmos e com aqueles que nos leem, de olharmos para o que nos rodeia, de nos ressignificarmos. daí a possibilidade de alcançarmos o que nos é consciente e inconsciente, ora desejando uma sensação de cura, ora uma de fuga. 
por exemplo: tenho desgostado do que escrevo – reconhecendo o quanto isto é um clichê. esse não gostar se deve a uma repetição: parece que todo texto meu é o mesmo há anos. acredito que seja o ritmo de escrita e de leitura que consegui fazer presente em minha escrita – fator importante para quem inicia – entretanto, um vício que pode impedir-me de apresentar algo que a mim seja novo. e essa situação se deve ao fato de que escrevo principalmente – e quase apenas – aquilo que vivo e conscientemente sinto. é uma escrita agarrada às vivências, ou seja, uma zona de conforto. 
talvez, mais difícil do que criar uma voz narrativa seja liberar-se dela. e o caminho para uma mudança nessa quase crise-existencial-criativa passa por produzir o que não foi vivido, ficcionalizar de fato, ir para além daquilo que penso sobre mim e de como os outros possivelmente me veem. como me disse o enzo uma vez, “nesse além você se sabota e é capaz de um novo estilo”. e, de repente, alcanço traumas e culpas que saracoteiam dentro de mim. 
acredito nessa dupla possibilidade, de quem se esconde e se escancara a partir do texto, como se fosse possível optar por apenas uma forma. não é. mostramo-nos mais do que pressupomos mostrar, da mesma maneira que deixamos escondidas características nossas, por mais que tentemos escancará-las. isto porque que é, a escrita, fuga e aproximação. dos outros e, principalmente, de nós mesmos.  

ítalo puccini