inclusive,
eu teria um desgosto profundo se houvesse apenas texto teatral no mundo. ele me
cansa, ele me confunde, ele não tem narrador. são diálogos, diálogos, diálogos.
e algumas rubricas, com o objetivo de orientar o leitor, mas, primeiramente,
aqueles que atuarão na peça. logo, ao ler um texto assim, meus olhos ficam
procurando as referências características nesse gênero textual: quem está
falando, a quem, com que tom, em que local, entre outras.
mas eu gosto é de
narrativas, de parágrafos longos, análise psicológica, narrador em primeira ou
terceira pessoa, até mesmo com diálogos. estes me agradam, porém desde que não
conduzam a história inteira. uma vez, por exemplo, eu experimentei ler um
romance todo dialogado, foi o “nada me faltará”, do lourenço mutarelli, a quem
assisti, em dois mil e dez, na feira do livro de jaraguá do sul. gostei da fala
dele, das respostas que ele dirigiu às perguntas sobre sua escrita, suas
leituras e afins. comprei o referido livro, li-o e dei-o de presente ao edu,
por considerar ser mais a cara dele do que a minha, aquela obra. lembro-me de
ter gostado da história, mas de ter me cansado durante sua leitura.
ainda
assim, aquele livro foi menos chato do que uma peça teatral. porque um romance
dialogado não apresenta as marcações tradicionais de um texto do gênero
dramático, afinal, este é feito para a encenação, aquele, para a leitura do
leitor. e dessa vez eu vivi a experiência de ler uma peça do ariano suassuna,
intitulada “o santo e a porca”. é da década de cinquenta, a peça, com
características do teatro cômico, se é assim que se fala, e se mantém atual, em
função do seu caráter crítico. li, gostei da história, porém me cansei bastante,
devido aos detalhes já citados.
e
então fiquei encucado com esse desgosto profundo. tou perguntando-me até agora
o porquê de tal aversão a um estilo de texto, entretanto, ainda não encontrei
respostas, nem mesmo durante a escrita desta croniqueta. em últimos casos, eu
falarei disso em terapia, se eu me lembrar, uma vez que entrar no consultório
terapêutico significa desorientar o consciente, cedendo lugar ao inconsciente,
portanto, não mais controlando a fala, de acordo com o desejo ou a ordem antes
prenunciada.
ainda,
sei dizer do meu gosto em assistir a peças teatrais, isso, sim. vou pouco ao
teatro, é verdade, mais por preguiça em sair de casa do que por outro motivo,
mas sinto prazer quando vou, assim como, interesso-me em ler sobre
apresentações de companhias. contudo, este detalhe não me leva ao outro, o que
talvez se apresente como contraditório, e, se assim for, que seja. sou da
opinião de que o uso da palavra, por si só, é uma contradição à qual nascemos
imbrincados, portanto, cabe-nos um olhar de análise a respeito disso que
sentimos, justamente o que me leva a esta escrita, mesmo que, agora ao final
dela, eu não consiga encontrar resposta à afirmação inicial.
contradição,
aliás, a me fazer lembrar de gregório de matos e do barroco. contradição, ou
seja, dualidade, aquela marcante no período literário da nossa gênese
literária: matéria versus espírito, tão recorrente na literatura do século
xvii. contradição esta a essência da peça de suassuna. e, talvez por gostar dos
poemas do boca do inferno, eu gostei da história de “o santo e a porca”, das
personagens ali presentes, do absurdo de cada cena – um absurdo irônico e
crítico, refinado – mas nada que me levasse a uma sensação de prazer durante a
sua leitura.
sobre
isso, a josi – que, devido à sua desatenção constante, também não gosta de
texto teatral – sugeriu que tal gênero textual fosse lido a dois, ou mais, cada
um lendo em voz alta a fala do personagem correspondente, assim contribuindo
para o entendimento do enredo. pode ser, eu disse a ela, mas sou chato, não me
agrada algo que mais parece um ensaio para uma dramatização. logo, cá estou eu,
no que diz respeito à leitura de textos dramáticos, novamente sem caminho alternativo,
porém resignando-me a este desgosto, a partir de agora aprendendo melhor a
lidar com ele.
ítalo puccini