Eis
que, lendo “A máquina de fazer espanhóis”, do Valter Hugo Mãe, deparei-me com
um forte trecho (redundância para a produção deste portuga) em que o
personagem-narrador, silva, de 84 anos, descreve a saudade que sente da recém-falecida
esposa e lança esta frase: “que a vida era só isto. é só isto, um novo modo de
ter saudades, ou de lhes sobreviver”. Então, como me é característico, resolvi
dar um alou, via e-mail, a alguns amigos. Um alou bastante singelo. Título do
e-mail: perguntinha boba; conteúdo: você sente saudade de que? Como diz uma
amiga minha: “de onde tu tiras essas perguntas cretinas?” Pois é.
Saudade
é sentimento pouco presente em uns e outros. Há quem não morra de saudades. E
que é cobrado por não demonstrar tal sentimento. E cá fico perguntando-me de
que forma se ajeitam na vida os que sentem tal sentir por pessoas de outras
nacionalidades, afinal, não é palavra só da língua portuguesa esta saudade? “Mas
como sentir saudade de um momento se ele fica grande exatamente pelo momento?” Como?
Levando em conta que a falta incorporada ninguém nos tira, talvez.
Tem
gente que leva a saudade até Ilhota, aos sábados pedalando com alguns amigos.
Que a leva até os natais em família, “uma festa louca e sem noção”. Assim como
há os que sentem saudades “de poucas coisas”. E não as citam. Com justiça.
Poucas coisas tais como: do segundo ano do ensino médio; de falar e sentir o
cheiro da avó; de cama feita e dos cachorros; de padarias; de amigos; “de
pessoas, claro, mas isso falta em todos os lugares”; de ver – com os olhos
físicos – o pai; de ter os pais juntos; “dos irmãos também”; de comer empadas com
o avô; e do amor. E de amar: amarga que nem jiló.
Pessoas
admiráveis, estas que se escancararam, mesmo que pouco. Saudade de um amor
carnal e também de alma, “que a gente insiste em achar que é pra sempre, mas
sempre não é e talvez nunca seja. De acordar junto, de às vezes dormir
separado”. Sentir falta “de uma possibilidade de carinho que só acredito fazer-se
presente num relacionamento amoroso”. Tão corajosas quanto os
que dizem não sentir saudades da infância, “porque as alegrias do passado podem
ser renovadas”.
Mas
há a saudade da infância em alguns, sim; de jogar futebol – e sinuca –, de
comer caranguejo, e até saudade de mim – e das minhas aulas, afinal, aluno bajulador
é sempre bem-vindo. Ora veja. Gente que responde enchendo-me o ego: “saudade de
olhar pros livros que vêm junto contigo”; da casa de mãe minha – e dos que por
lá passam –, do meu cabelo seboso, da minha risada escrota; “vish, tanta coisa”.
Sem contar os dizeres da mãe e das tias, estas, sim, justificando a relação
familiar e clamando pela minha presença. E até saudade dos primos, estes
familiares tão próximos e tão distantes.
Sendo
assim, não satisfeito em provocar, lancei a mesma indagação no facebook e no
twitter. E o pessoal resolveu encarar este olhar-pra-dentro. Até saudade de uma
morena capixaba apareceu, vinda – esta saudade – de um jaraguaense. Porque a
saudade não tem distância, dizem. Até da Hebe Camargo vale. Assim como de si
mesma – puta saudade pra doer, hein? Saudade daquilo que ainda não foi vivido; daquilo
que já foi e não volta: o primeiro ano da faculdade, por exemplo. Saudade do
verão, do mar e da areia da praia; do anjo da guarda; de cheiro de neném; de
pessoas distantes e de quando não era preciso estudar para matemática. Justo. Saudade
de fim de tarde caminhando pelos canteiros.
E
ainda há os que não responderam. Compreensível. Tanto quanto os que responderam
e devolveram a mim a pergunta. Ora, não é pergunta que se responda. (Muito
menos com palavras impublicáveis, como uns e outros fizeram). Cabe, sim,
finalizar esta croniqueta com um convite: ouvir “brigitte bardot”, do zeca
baleiro. A saudade é prego parafuso, não nos esqueçamos.
Ítalo Puccini
Ítalo Puccini