sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Você sente saudade de quê?

          Eis que, lendo “A máquina de fazer espanhóis”, do Valter Hugo Mãe, deparei-me com um forte trecho (redundância para a produção deste portuga) em que o personagem-narrador, silva, de 84 anos, descreve a saudade que sente da recém-falecida esposa e lança esta frase: “que a vida era só isto. é só isto, um novo modo de ter saudades, ou de lhes sobreviver”. Então, como me é característico, resolvi dar um alou, via e-mail, a alguns amigos. Um alou bastante singelo. Título do e-mail: perguntinha boba; conteúdo: você sente saudade de que? Como diz uma amiga minha: “de onde tu tiras essas perguntas cretinas?” Pois é.
            Saudade é sentimento pouco presente em uns e outros. Há quem não morra de saudades. E que é cobrado por não demonstrar tal sentimento. E cá fico perguntando-me de que forma se ajeitam na vida os que sentem tal sentir por pessoas de outras nacionalidades, afinal, não é palavra só da língua portuguesa esta saudade? “Mas como sentir saudade de um momento se ele fica grande exatamente pelo momento?” Como? Levando em conta que a falta incorporada ninguém nos tira, talvez.
            Tem gente que leva a saudade até Ilhota, aos sábados pedalando com alguns amigos. Que a leva até os natais em família, “uma festa louca e sem noção”. Assim como há os que sentem saudades “de poucas coisas”. E não as citam. Com justiça. Poucas coisas tais como: do segundo ano do ensino médio; de falar e sentir o cheiro da avó; de cama feita e dos cachorros; de padarias; de amigos; “de pessoas, claro, mas isso falta em todos os lugares”; de ver – com os olhos físicos – o pai; de ter os pais juntos; “dos irmãos também”; de comer empadas com o avô; e do amor. E de amar: amarga que nem jiló.
            Pessoas admiráveis, estas que se escancararam, mesmo que pouco. Saudade de um amor carnal e também de alma, “que a gente insiste em achar que é pra sempre, mas sempre não é e talvez nunca seja. De acordar junto, de às vezes dormir separado”. Sentir falta “de uma possibilidade de carinho que só acredito fazer-se presente num relacionamento amoroso”. Tão corajosas quanto os que dizem não sentir saudades da infância, “porque as alegrias do passado podem ser renovadas”.
            Mas há a saudade da infância em alguns, sim; de jogar futebol – e sinuca –, de comer caranguejo, e até saudade de mim – e das minhas aulas, afinal, aluno bajulador é sempre bem-vindo. Ora veja. Gente que responde enchendo-me o ego: “saudade de olhar pros livros que vêm junto contigo”; da casa de mãe minha – e dos que por lá passam –, do meu cabelo seboso, da minha risada escrota; “vish, tanta coisa”. Sem contar os dizeres da mãe e das tias, estas, sim, justificando a relação familiar e clamando pela minha presença. E até saudade dos primos, estes familiares tão próximos e tão distantes.
            Sendo assim, não satisfeito em provocar, lancei a mesma indagação no facebook e no twitter. E o pessoal resolveu encarar este olhar-pra-dentro. Até saudade de uma morena capixaba apareceu, vinda – esta saudade – de um jaraguaense. Porque a saudade não tem distância, dizem. Até da Hebe Camargo vale. Assim como de si mesma – puta saudade pra doer, hein? Saudade daquilo que ainda não foi vivido; daquilo que já foi e não volta: o primeiro ano da faculdade, por exemplo. Saudade do verão, do mar e da areia da praia; do anjo da guarda; de cheiro de neném; de pessoas distantes e de quando não era preciso estudar para matemática. Justo. Saudade de fim de tarde caminhando pelos canteiros.
            E ainda há os que não responderam. Compreensível. Tanto quanto os que responderam e devolveram a mim a pergunta. Ora, não é pergunta que se responda. (Muito menos com palavras impublicáveis, como uns e outros fizeram). Cabe, sim, finalizar esta croniqueta com um convite: ouvir “brigitte bardot”, do zeca baleiro. A saudade é prego parafuso, não nos esqueçamos.

Ítalo Puccini

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O ato de não-ler



Não mais cabe discutir a importância de uma prática constante da leitura, não só para o desenvolvimento da consciência do ser humano enquanto um cidadão participante de uma sociedade, como também ao desenvolvimento do ser humano que cria uma ideologia, esta que o faz pensar e agir. Entretanto, cabe, sim, um repensar sobre essa prática da leitura. Não-ler também pode ser importante nesse processo de conscientização de si e do mundo.
            É o que propõe o filósofo alemão Schopenhauer, em seu artigo “Sobre a leitura e os livros”, presente no livro “A arte de escrever”, da coleção L&PM POCKET (2005). O autor apresenta um ponto de vista com relação à prática da leitura que, se trazido para os dias atuais, fica em direção oposta ao que tanto se tem discutido sobre a disseminação da prática da leitura.
Schopenhauer defende a ideia de que o ato de não-ler, ou seja, de se ausentar dos livros e, consequentemente, das diversas ideias existentes em outros autores, é uma atitude tão importante quanto o próprio ato da leitura em si. Uma opinião que, se muito divulgada, logo poderia servir de muleta para os aleijados da leitura. Contudo, Schopenhauer explica o porquê de afirmar que o ato de não-ler é tão importante quanto o de ler – a leitura aqui tratada, e pelo filósofo também, sobre a perspectiva dos símbolos gráficos, do texto escrito propriamente dito. Explicação esta que não caberá aos não-leitores como muleta.
O pensador não apresenta a opinião de que não se deve ler nunca, ou de que ler seja algo prejudicial à saúde, física ou mental, das pessoas. O que o filósofo alemão apresenta é que uma leitura livresca, contínua, ininterrupta, impede o sujeito de desenvolver em si uma opinião propriamente sua: “(...) quem lê muito e quase o dia todo, mas nos intervalos passa o tempo sem pensar nada, perde gradativamente a capacidade de pensar por si mesmo – como alguém que, de tanto cavalgar, acabasse desaprendendo a andar”. Sobretudo, o ato de não-ler, para Schopenhauer, significa a oportunidade de o sujeito acomodar em si mesmo as informações recém-obtidas, construindo-as, assimilando-as e acomodando-as em um conhecimento próprio, intrapessoal.
Importante relevar o detalhe das diferenças cruciais existentes entre a época em que Schopenhauer apresentou tal ponto de vista e a época em que atualmente vivemos. São duas realidades muito distintas. Contudo, a opinião do filósofo alemão pode ser interessante justamente em função dessa diferença de cultura e de época, uma vez que hoje em dia o que mais tem sido incentivada é uma maior prática de leitura por parte das pessoas, sem se atentar para o que se tem feito com essas leituras. Ler um material escrito atrás do outro e nada acrescentar a si pode ser tão inútil quanto não ler. Aí a atenção que se deve dar ao dizer de Schopenhauer.
            É preciso cuidado ao construir sentidos a esse não-ler. Proclamar aos quatro cantos que as pessoas não leiam pode ser prejudicial demais numa sociedade em que desculpas para não ler é que não faltam (coitado do tempo, sempre o vilão). Quem muito já leu – e permanece lendo – consegue compreender o quanto essa prática constante da leitura provoca transformações no ser humano. No entanto, sabe-se, quem não tem consigo a prática de leitura bem marcada pode interpretar que o fato de não-ler lhe faz bem, e utilizá-lo como “muleta”, conforme dito no início do texto.
É aquele que tem na leitura uma condição de existência que pode transformar esse não-ler proposto por Schopenhauer em uma atividade reflexiva das leituras que realiza. E somente com muita prática de leitura que se pode construir um significado construtivo para este ‘caminho alternativo’.

Ítalo Puccini

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Doença do esquecimento literário

            Parece nome de trabalho apresentado em congresso (só não sei se de educação ou de medicina, de tão horrível que é este título). E, para completar o caso, o assunto a ser desenvolvido nesta croniqueta é quase que vexatório. Então, um título fraco vai combinar com o tema.
            Continuo tratando alguns livros como puta.
É isso.
Perdão pela frase. E pela colocação tão abrupta dela no texto. Vou abrandar a situação (ao menos tentar) explicando de onde provém tal dizer.
            Foi Enzo quem uma vez me escreveu esta expressão, digamos, metafórica. Segundo ele, ler um livro e não se lembrar do que foi lido, ou comprar um livro sem recordar-se de que o mesmo você já possui, são modos de tratá-los (os livros) como putas: comeu e não é capaz de recordar que.
            E esta simplória metáfora me leva a trazer à tona o quanto o ato de ler pode ser, muitas vezes, relacionado a alguma conotação sexual – mesmo que inconscientemente. Refiro-me ao ato de ler sem entrar na história proposta por um texto. Não é apontar para narrativas ou poemas que apresentem cenas picantes, e sim focar a possibilidade da relação – quase explícita – a partir das palavras utilizadas para a prática da leitura: devorar e comer um livro, e sentir prazer com a leitura, por exemplo. E, agora, comer um livro (lê-lo) e não guardar na memória tal ato.
            Há quatro meses, comprei “O encontro marcado”, do Fernando Sabino, com a dúvida se eu já não o tinha. Sim, uma edição igual a então recém-comprada já se fazia presente em uma de minhas estantes. Senti vergonha de mim mesmo naquele momento. E tal sentimento se repetiu dois meses depois, quando trouxe para casa, bastante feliz, o exemplar de “Uma ilha chamada livro”, de Heloísa Seixas, comprado a apenas dez reais em uma livraria. E a vergonha foi maior desta última vez, porque eu não tinha ideia de que já havia lido o livro, muito menos de que ele já se encontrava em minha prateleira, e – ato mais grave ainda – muito sublinhado e anotado, por mim mesmo, com um registro de quando a leitura fora feita, há dois anos.
            Tentando atenuar o causo, e também porque me é característico dar livros aos amigos, foi o que fiz com os dois exemplares repetitidos. À Josi dei o livro da ilha, e o outro, do Sabino, não me recordo a quem. Um vexame atrás do outro. Que somente me leva a desacreditar na literatura – e em mim mesmo, é claro. Esse papo de que a arte não precisa ter utilidade é bem bonito mesmo, mas ela te prega peças; taí o meu relato pra comprovar.
            Aproveito para fechar este breve e desastroso relato com um trecho do livro da Heloísa Seixas, porque o livro todo, repleto de textos curtos e de reflexões sobre as práticas da leitura e da escrita, é muito bonito (mesmo que eu tenha me esquecido de tê-lo lido): “(...) quanta coisa está contida numa página não escrita, numa não página, de um não livro. Afinal, o branco é a soma de todas as cores. As possibilidades são infinitas”. E o esquecimento faz parte delas.

Ítalo Puccini

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Poesia é esse negócio que faz assim, ó




poesia em forma líquida
deve ser bebida ou respirada
em momentos com vagar.
(Ondjaki, “Tu que viste tantas estrelas”)

            Mais uma croniqueta-resenha. Com a sua devida licença, leitor.
            Ondjaki é Angolano. Nascido em Luanda, tem apenas 35 anos, e alguns belos livros publicados. Tenho leitura de dois deles, “Há prendizajens com o xão” e “Avódezanove e o segrdo do soviético”. O prosador e poeta domina a linguagem da forma mais apropriada que se pode ter: reinventa-a. ressignifica-a.
            Começa, por exemplo, seu livro de poemas “Há prendizajens com o xão - o segredo húmido da lesma & outras descoisas” (Pallas, 2011) dedicando algumas palavras-poema a Manoel de Barros, em quem claramente se inspirou para o fazimento deste livro. Diz Ondjaki: “apetece-me chãonhe-ser-me”. É isto ressignificar a palavra. É criar verbo, é criar ação a partir dela. É fazer os animais se verbarem: “libélulas avoam danças / aranhas cospem tranças; / morcegos ralham noites / ursos linguam potes”.
            O chão é o elemento poético de Ondjaki. É no chão que se encontram as formigas – insetos que apresentam “um medonho desconhecimento para egos”. Um chão promovido à almofada, “mas ele sobre nós”. É ao aprendermos a olhar para o chão que podemos aprender a sermos. A chão-nhe-sermos. É do chão que vem o cheiro da terra que rejuvenesce a humanidade. E aprendizagem “é a palavra que, ela sim, ramifica e desramifica uma pessoa; ela enlaça, abraça; mastiga um alguém cuspindo-o a si mesmo, tudo para novas géneses pessoais”.
Prendizajem é saber que “a mosca exagera em / amizades com a merda”. É saber que, de tanto falar, é preciso saber ouvir: “para ser grilo / há que se ter algibeiras / onde também caibam silêncios”. Brilhar por desanonimato. É saber que “ser folha é / nem sempre estar para sol”. E que “bonito é que ela respira”. Porque nem sempre – ou quase nunca – o que a gente espera é o que acontece: “uma mosca parada / pode incomodar uma pessoa”.
É do chão que vem o mundo. Mas “para assistir ao nascimento de uma palavra convém esperar dentro do chão”. 
            Ou correndo por ele. Chutando-o. Rastejando-o. Criando rastros. É o que fazem os meninos de “Avódezanove e o segredo dos soviéticos” (Companhia das letras, 2009) – meninos estes que muito me lembraram os meninos-capitães da areia, do Jorge Amado: porque ingênuos-mas-espertos; porque justiceiros-mas-amorosos.
            Pelas ruas poeirentas da PraiadoBispo, em Luanda – capital da Angola – é que brincam meninos como o EspumaDoMar, Pinduca e Charlita, sem contar o próprio menino-narrador. Brincam em meio a uma agonia: a iminência de se mudarem, forçadamente, dali de onde nasceram e desde então vivem, uma vez que os soviéticos estão a construir um mausoléu que abrigará o corpo do ex-presidente AgostinhoNeto: uma obra descomunal, que parece um enorme foguete de concreto. O que não falta neste cenário de livro são culturas variadas, portugueses, cubanos e soviéticos (reflexo de uma Angola recém-independente). Luanda, um lugar onde “as pessoas morrem sem avisar. Que falta de educação!”, como bem observava a avóCatarina.
            Não bastasse o contexto político-social tão bem apresentado, Ondjaki envolve o leitor em uma linguagem que faz assim, abraça: “O vento deve ter uma casa no tão-longe e está sempre a tentar levar as nuvens para a casa dele, mas isso é uma coisa que eu penso sozinho sem contar a ninguém, porque outras crianças podem me chamar de chanfru e os mais-velhos podem querer me dar remédios para ver se fico bom da cabeça”.
            Uma história toda que “foi num tempo que os mais-velhos chamam de antigamente”. Afinal, “o inchaço do coração / facilita o despalavrear. / a liberdade pode advir / de uma veia”.

Ítalo Puccini

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Chega de terapiar


            Mas não é bem assim.
            Recebi alta na terapia. Depois de quinze meses. Esse lance de que a vida é feita de ciclos é um dos baitas clichês. Escrevi há uns meses sobre o terapiar e também sobre os começos que nascem porque têm um fim. Mas o meu na terapia ainda não chegou – o fim. Oficializada a alta, entrei em um combinado com Eliana para que continuássemos os papos quinzenais, por nos fazerem muito bem, por serem prazerosos e para sentirmos um novo modo de terapiar.
            Tal como a vida, é feita de fases uma terapia. No meu caso, por exemplo, a fase inicial foi de “vamô ver no que vai dar isso”. Eu era um verdadeiro descrente da arte da conversa mediada. Ao ouvir frases como as que hoje eu digo – de que todos deveriam uma vez na vida fazer terapia – eu largava um sonoro “tsss”, acompanhado de um olhar ao mesmo tempo esnobe e desconfiado (quase que sinônimos, neste caso). Cheguei ao ponto de iniciar os primeiros papos dizendo estar lá para ver no que ia dar. E deu muito caldo.
            Os primeiros seis meses foram intensos. O momento das quebras. Às vezes, mais de duas sessões por dia, mais de um dia por semana. É muito louca a consciência que se vai desenvolvendo de si mesmo. Um misto de espanto com uma atitude repulsiva, mas, no fundo, acolhedora. Afinal, como abrir mão daquela luz que você visualiza como o caminho para a tranquilidade almejada? Porém, para alcançar esta luz – mais ainda: para aceitá-la e assumi-la – é preciso um tanto de coragem que a gente não sabe que tem até que faz uso de.
Fazer terapia é dar novos significados aos clichês. É torná-los seus. É trazer o mundo pra si e devolver ao mundo um ‘si’ diferente. Mais sincero e respeitoso.
Os seis meses seguintes foram de reconstrução. De levantar-se e novamente cair. De colar uns cacos e novamente se deixar quebrar. Como diz o Diogo Mainardi em “A queda”, seu livro mais recente, “saber cair tem muito mais valor que saber caminhar”. E nisso de cair está implícito o olhar a si mesmo no chão. O olhar os cacos diante de si. Um espelho perde grande significado depois que se faz terapia.
Terapiar é movimento de fora pra dentro e vice-versa. É pegar os elementos externos, aquilo para onde a gente aponta o dedo e sobre os quais jogamos as culpas do que acontece conosco, e visualizar em cada um deles o tanto que há de si mesmo. Isso do mundo ser um espelho do que trazemos dentro de nós não é só frase de efeito, não. Na terapia isso é passível de percepção. Se você se dispõe a. É preciso querer se quebrar. E, depois, completamente fragilizado, ir juntando os cacos e remodelando não um novo ser, mas sim um ser que sempre esteve presente, apenas não visível. Jáhavia escrito e repito: Terapiar é o caminho de maior respeito para consigo mesmo. E se respeitar é a base mais sólida que alguém pode ter.
Então que os últimos três meses foram de dar cor e forma e adereços aos tijolinhos colocados nos doze anteriores. Foi momento de encarar novamente aquilo que antes assustava e dos quais se fugia. E agora não mais, uma vez que o quê da vida está cá dentro. Daí que se deparar com uma fala assim da Marisa Monte é oportunidade de fechar esta croniqueta: "Aprendi que, quando falam de mim, fãs e desafetos estão falando de si mesmos, do modo como encaram as relações, os problemas, os sonhos. sirvo apenas de pretexto".
Porque é aprendizado terapêutico: o tédio não está na ausência do que fazer. Está num cansaço interno que a gente projeta sobre algo.

Ítalo Puccini

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Escrever é dar a cara a tapa


Escrever deveria ser sempre um incômodo.
Incomodar, segundo o Novo Dicionário Aurélio, significa, entre outras coisas, causar incômodo a, importunar, desgostar, irritar.
Escrever deveria ser tudo isso, pois.
Estar incomodado é estar “levemente indisposto, constrangido”, ainda segundo o dicionário. E todo texto deveria incomodar. Incomodar o escritor e o leitor. Deixá-los indispostos, constrangidos diante do que se escreve e do que se lê.
Um incômodo-quase-abjeto, como o sinalizado pelo Tiago Nascimento a mim, no momento em que fez a leitura de um microconto que eu havia postado no facebook. Eis o microconto: “abraçou-a bem forte. para que a faca alcançasse o bebê”. Eis o comentário do Tiago: “ai... e eu comendo um cachorro-quente bem vermelho lendo isto. chocante”. Ao que eu respondi: “não coma enquanto lê”. E ele: “foi tão rápido, tão cortante. Parei no meio da mordida”.
A escrita que provoca uma pausa no leitor. É a leitura que faz levantar a cabeça, proposta pelo Barthes.
Uma das finalidades de todo e qualquer texto, literário ou não, deveria ser esta. Já afirmara o crítico Umberto Eco, em seus “Seis passeios pelo bosque da ficção”, que “o texto é uma máquina preguiçosa que espera muita colaboração da parte do leitor”. E essa colaboração nem sempre deve significar um ato de concordância. Contudo, não significa que deva se tornar rígida e excessivamente discordante.
Um texto cumpre com sua finalidade quando propõe um algo a mais para quem o lê. E para quem o escreve também.
Um algo a mais que reflita num pensar mais elaborado, que signifique um repensar determinado ponto de vista, ou que jogue luz sobre alguns caminhos de compreensão ainda não alcançados.
Uma história ideal não existe. Ela não tem como existir. Porque cada história é muito própria para cada sujeito que a vivencia: agindo, lendo ou escutando. E por ser muito própria a cada um, não pode jamais ser a história ideal para todos. Mas que cada um possa ter e construir sua história ideal.
A minha história ideal não é aquela que ninguém lê. Isto seriam esboços de histórias. As que ninguém lê. A minha história ideal seria aquela em que cada um lesse e sentisse a si mesmo dentro dela. O leitor ideal pode ser aquele que vive o texto. Não aquele que o interpreta.
Se hoje escrevo, é por ler tantas e tantas coisas maravilhosas (e quantas ainda por ler!).
Se hoje escrevo, é porque desenvolvi em mim a pretensão de achar que através de minhas palavras as pessoas também poderiam se sentir tocadas, seja se encontrando em meus rabiscos, seja desenvolvendo uma antipatia pelos mesmos (e consequentemente por mim).
Se hoje escrevo, isso se deve ao trabalho de penso inserido nessa prática. Algo que me alimenta como sujeito. Algo em que acredito que possa alimentar a outros da mesma forma.
Se hoje escrevo é também por acreditar que esse ato possa ser contagioso.
Escrevo porque dói, e porque essa dor é minha fuga. Escrevo para me contradizer e porque ainda não encontrei melhor forma de solidão.

Ítalo Puccini

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Os últimos começos


            (Título horrível, eu sei. Porém, justifico-o: por ora, assim será. Uma pausa nesta – parece-me: boa – ideia de começos de livros; para não cansar o leitor, a quem agora apresento novas sugestões de livros, vindas de outros amigos):
            A Francine Hellmann enviou o começo de “O estrangeiro”, do Albert Camus: "Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: ‘Sua mãe faleceu. Enterro amanhã. Sentidos pêsames’. Isso não esclarece nada. Talvez tenha sido ontem. O asilo de velhos fica em Morengo, a oitenta quilômetros de Argel. Assim posso velar o corpo e estar de volta amanhã à noite. Pedi dois dias de licença a meu patrão e, com uma desculpa destas, ele não podia recusar. Mas não estava com um ar muito satisfeito. Cheguei mesmo a dizer-lhe: ‘A culpa não é minha.’”. Com os seguintes fortes dizeres: “Reli alguns começos dos meus livros favoritos e escolhi esse porque o Camus é foda e porque a realidade dói. Sem máscaras, sem romances, às vezes a pessoa não dá a mínima para a morte da mãe e chega mesmo a achar entendiante”. Complementando: “Mas confesso que fiquei em dúvida quando recoloquei os olhos neste”: “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo.", de Gabriel García Márquez em “Cem anos de solidão”, e explicando: “Não o escolhi porque o achei quase clichê, tanto quanto conhecer Machu Picchu ou amar loucamente. Eu queria fazer as duas coisas e a minha literatura entrega, mas não conte para ninguém (que seja desinteressante)”. 
            E, uma vez que à Franci foi permitido citar dois começos, merece o mesmo direito a Mônica Saraiva, que enviou, além daquele de “Água Viva”, na crônica passada, este de “Divã”, da Martha Medeiros: “Sou eu que começo? Não sei bem o que dizer sobre mim. Não me sinto uma mulher como as outras. Por exemplo, odeio falar sobre crianças, empregadas e liquidações. Tenho vontade de cometer haraquiri quando me convidam para um chá de fraldas e me sinto esquisita à beça usando um lencinho amarrado no pescoço. Mas segui todos os mandamentos de uma boa menina: brinquei de boneca, tive medo do escuro e fiquei nervosa com o primeiro beijo. Quem me vê caminhando na rua, de salto alto e delineador, jura que sou tão feminina quanto as outras: ninguém desconfia do meu hermafroditismo cerebral. Adoro massas cinzentas, detesto cor-de-rosa. Penso como um homem, mas sinto como mulher. Não me considero vítima de nada. Sou autoritária, teimosa e um verdadeiro desastre na cozinha. Peça para eu arrumar uma cama e estrague meu dia. Vida doméstica é para os gatos”. Assim argumentando a segunda escolha: “Porque a Mercedes – a do livro, que é bem diferente da do filme – às vezes é o que eu sou, às vezes o que eu quero ser e, em outras, o que eu mais abomino. Odiar falar sobre crianças e sonhar ter uma pra mim. Ser um pouco homem, porque não preciso deles para o que eu posso fazer só. Preciso deles quando a vontade é além. Porque não consigo fincar raízes na vida doméstica e, ao mesmo tempo, sou um gato, se bem afagada. Porque ela se expõe logo assim, de cara, no primeiro parágrafo. Porque ela está na frente do analista. E porque ela sabe que esse discurso te desconstrói diante do espelho. Porque ela quer sempre os contrários”.
            E, fechando o ‘pacote-de-duas-sugestões’, Eder Alex propôs dois começos. O primeiro: "Quando ele acordava na floresta no escuro e no frio da noite, estendia o braço para tocar a criança adormecida ao seu lado. Noites escuras para além da escuridão e cada um dos dias mais cinzentos do que o anterior. Como o início de um glaucoma frio que apagava progressivamente o mundo. Sua mão subia e descia de leve com cada preciosa respiração", do livro “A estrada”, de Cormac McCarthy, uma vez que “as orações curtas e a secura na linguagem criam um aparente distanciamento entre narrador e personagens que acho maravilhoso na literatura (não é um filho, é ‘a criança’). Se alguma emoção surge dali, não é porque o narrador me disse pra sentir, ele informa o que acontece e eu construo a poesia aqui em mim. Nesse caso, acho bela a imagem de um pai que acorda à noite para conferir se o filho ainda está respirando. É humano, é amor, e o mundo parece querer o contrário de tudo. Quero continuar a leitura para saber quem vai perder”. E o segundo: "Se você não destruiu esta carta no momento em que identificou a letra no envelope, é sinal que a curiosidade é até mais forte do que o ódio. Ou que o ódio necessita de combustível novo. Agora você empalidece, comprimindo suas mandíbulas de lobo, até os lábios desaparecerem, e joga-se sobre estas linhas para saber o que quero de você, depois de sete anos de absoluto silêncio entre nós", do livro “A caixa preta”, do israelense Amós Oz, porque este livro “lança o leitor já de cara na história. Pois, além do trabalho minucioso na lapidação das frases, faz com que a gente se sinta invadindo a correspondência de alguém, sim, somos um bando de cretinos curiosos. Algo está muito errado, há muito ódio e também sua semente primeira, o amor. Por que a vida dessas parece tão devastada? Quero ler as outras cartas”. 
            E que você, leitor, queira ler estes e outros livros.

Ítalo Puccini

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Uma croniqueta feita de começos

            Conforme eu havia prometido, serão duas croniquetas feitas de marcantes-começos-de-livros-para-sujeitos-leitores. Pedi a alguns amigos que me enviassem seus marcantes-começos-de-livros, com breves palavras sobre.
Vamos a eles: (E vá a eles, leitor. Não precisa correr atrás destes livros. Apenas chegue a eles, quem sabe).
Enzo Potel me enviou a primeira frase do conto “Sem lugar para você, meu amor”, de Eudora Welty, que abre o livro “The Bride of the Innisfallen and other stories”: “Eles não se conheciam, assim como não conheciam o lugar em que, lado a lado, estavam sentados para almoçar – os grupos de amigos se juntaram de uma hora para outra quando alguém reconheceu outro alguém no Galatoire. Era um domingo de verão – naquelas horas durante a tarde que parecem desconhecer a existência do tempo em New Orleans”. E as palavras dele sobre a mesma foram as seguintes: “Eu gosto do peso que têm aquelas quatro primeiras palavras antes da vírgula; o leitor precisa carregar aquela noção até o final do conto para entender o quão mágico foi o que esse homem e essa mulher se propuseram a fazer. E, ainda nesse primeiro parágrafo, a cidade de New Orleans ganha um tom de fábula, o que vai ser muito importante para narrar uma experiência que beira quase o nada, o tempo todo, até depois do fim”.
Amanda Corrêa, por sua vez, recorreu à Clarice Lispector e o começo de “A paixão segundo G.H.”: “– estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não a saber como viver, vivi uma outra? A isso quereria chamar desorganização, e teria a segurança de me aventurar, porque saberia depois para onde voltar: para a organização anterior. A isso prefiro chamar desorganização, pois não quero me confirmar no que vivi – na confirmação de mim eu perderia o mundo como eu o tinha, e sei que não tenho capacidade para outro”. E o quanto este começo a marcou: “É quase um clichê falar em Clarice agora, mas essa leitura foi muito intensa para mim. Discutimos o livro na aula da Taiza e, na mesma noite, eu comecei a ler. Cara, li num soco. Numa noite eu o devorei. Fiquei tomada por essa leitura alguns dias”.
Para Clarice também foi Monica Saraiva, escolhendo o começo de “Água Viva”: “É com uma alegria tão profunda. É uma tal aleluia. Aleluia, grito eu, aleluia que se funde com o mais escuro uivo humano da dor de separação mas é grito de felicidade diabólica. Porque ninguém me prende mais. Continuo com capacidade de raciocínio – já estudei matemática que é a loucura do raciocínio – mas agora quero o plasma – quero me alimentar diretamente da placenta. Tenho um pouco de medo: medo ainda de me entregar pois o próximo instante é o desconhecido. O próximo instante é feito por mim? ou se faz sozinho? Fazemo-lo juntos com a respiração. E com uma desenvoltura de toureiro na arena”. E, justificando: “Porque o livro se justifica no primeiro parágrafo. “Felicidade diabólica” é a pura água viva. É exaltação, é êxtase. Queima. Alimentar-se da placenta é profano. Faz queimar também, feito o bufar do tal touro, do qual não há medo”.
            E, fechando os começos, por ora, Eduardo Silveira mandou-me o de “Foi assim”, de “Natalia Ginzburg: "Disse-lhe: - Diga-me a verdade - e ele disse: - Que verdade? - E desenhava rapidamente algo no seu livrinho de apontamentos e me mostrou o que era: um trem comprido com uma densa nuvem de fumaça preta e ele, que se debruçava na janela e acenava com o lenço. Atirei em seus olhos”. Dizendo, também recordando um dos começos da croniqueta da semana passada: “Gosto por vários motivos. Lembrando o começo de 'Bonsai', este revela logo no começo um dos principais fatos. O maravilhoso é que o fato de saber como termina não tira nem um pouco nossa curiosidade, porque há outras perguntas em aberto. Mas gosto principalmente pela beleza: do trem, imagem sempre bonita, e pelo contraste da paz dele com a raiva dela: por que alguém que faz um desenho tão amável merece levar um tiro nos olhos?”.
            Assim está feito. Quatro convites aos leitores. E mais quatro ou tantos na semana que vem.

Ítalo Puccini

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O começo que nasce para morrer


As coisas só começam porque um dia terminarão.
Eu gosto desta frase, apesar de não gostar da palavra coisa. Penso-a (a frase, não a coisa) apontando para direções que são várias: início, fim e meio do mundo; início, fim e meio da vida; início, fim e meio de um relacionamento; início, fim e meio de um livro. Há um meio depois do começo e do fim, assim como entre.
A tendência de um começo é a morte instantânea.
Linkando com a literatura, temos: o começo de um texto é aquilo que mais é renegado pelo escritor. É a substância que brota para ser jogada fora. É o apêndice. Nascido para morrer. E mesmo aquele começo – de texto ou qualquer outro começo - que se apresenta a todos como definitivo, aquele começo que ficou definido como o começo de algo, está entregue à mudança constante. Não à morte, mas à mudança. Pois ele nem sempre será lido como o começo que se propôs a ser. Por que não ser lido como uma possibilidade de final, então? Será daí que todo fim é um começo?, uma vez que cada nova leitura pode ser a morte e o enterro da leitura anterior, sugada antes de não mais existir.
Um começo de livro marcante pode ser este: "Na primavera de 1998, Bluma Lennon comprou numa livraria do Soho um velho exemplar dos Poemas de Emily Dickinson, e ao chegar ao segundo poema, na primeira esquina, foi atropelada por um automóvel". É do livro "A casa de papel", do argentino Carlos Maria Domínguez. Ou este: "Nu e cru, eis o facto: apareceu um pénis decepado, em plena Estrada Nacional, à entrada da vila de Tizangara. Era um sexo avulso e avultado. Os habitantes relampejaram-se em face do achado. Vieram todos, de todo lado. Uma roda de gente se engordou em redor da coisa. Também eu me cheguei, parada nas fileiras mais traseiras, mais posto que exposto. Avisado estou: atrás é onde melhor se vê e menos se é visto. Certo é o ditado: se a agulha cai no poço muitos espreitam, mas poucos descem a buscá-la". Do livro “O último voo do flamingo”, do moçambicano Mia Couto. Dois simples começos como estes, que apresentam ações pontuais em tão poucas linhas, que delineiam uma miríade de caminhos na cabeça do sujeito-leitor – que poderão ser alcançados ou não, afinal, cada leitura é uma leitura.
Há, ainda, o começo de “Bonsai”, do chileno Alejandro Zambra: “No final ela morre e ele fica sozinho, ainda que na verdade ele já tivesse ficado sozinho muitos anos antes da morte dela, de Emilia. Digamos que ela se chama ou se chamava Emilia e que ele se chama, se chamava e continua se chamando Julio. Julio e Emilia. No final, Emilia morre e Julio não morre. O resto é literatura:”.
Dois pontos. Como que dizendo ‘agora vou contar a história’. E que o leitor deixe de lado a birra infantil de ‘ah, por favor, não me conte o final’. Há literaturas que se sustentam pelo seu durante. Há literaturas que encantam só pelo começo. Há literaturas que decepcionam principalmente no final.
[Um bom começo também pode ser um caminho para o abismo da decepção].
O começo como morte é a oportunidade de não se estranhar muito o novo começo, o recomeço. E de não sentir muito aquele que não mais existe, porque nada nem ninguém vem para substituir algo ou alguém, mas para acrescentar, para existir a partir daquilo/daquele que não mais.
Sendo assim, peço licença ao leitor – e também o convido – para, nas duas próximas semanas, acompanhar neste espaço começos de textos/histórias/livros marcantes para alguns sujeitos-leitores. Duas croniquetas feitas só de começos. Sem final, sem meio. Fragmentos, estilhaços, possibilidades de start para novas leituras.
A conferir.

Ítalo Puccini

sexta-feira, 27 de julho de 2012

A escrita como tentativa de preservação: de um lugar, de muitas vidas


           
        Eis o que é possível encontrar no filme “Narradores de Javé”, dirigido por Eliane Caffé, vencedor de melhor filme no VII Festival Internacional de Cinema de Punta Del Este (2004) e no 5º Festival de Cinema des 3 Ameriques (2004, Quebec, Canadá). Produção nacional de 2003 que aborda o sumiço da cidade de Javé, a ser submersa pelas águas de uma represa.
            Taí um filme que procuro trabalhar em sala de aula com turmas do Ensino Médio, abordando não somente a desagradável situação da tomada de terras alheias, mas também a importância da escrita, e sua distância para a oralidade. São conversas que transitam pela trama, pela importância que adquirem a memória e a oralidade na história, e pelos caminhos através dos quais o filme nos leva à literatura.
Tudo acontece a partir do drama que enfrentam os moradores de Javé: a instalação de uma usina elétrica no vilarejo vai levá-lo a não mais existir no mapa. E a solução que lhes resta é uma só: registrar por escrito o vilarejo, tornando-o de valor histórico e científico, conforme falam. É preciso contar a história de Indalécio, o fundador de Javé.
Eis, então, o momento em que surge o personagem Antonio Biá, o salvador dos habitantes de Javé, aquele que em anos anteriores fora expulso de lá pelo motivo que agora o trazia de volta: a escrita de histórias. Biá é chamado para escrever a história de Javé, por ser o único ali que sabe escrever (Biá trabalhava na agência dos correios em Javé. Como ninguém fazia uso da escrita e da leitura, ele passou a inventar histórias dos moradores da localidade, como forma de tornar a agência movimentada, e assegurar seu emprego. Justamente por isto foi expulso pelos moradores quando descobriram o que ele inventava). 
No momento em que Biá passa a ouvir as histórias dos moradores de Javé é que passamos nós, telespectadores, a percebermos como a memória oral de cada um privilegia aspectos e detalhes que ninguém conhece, e que jamais serão registrados como de fato aconteceram. Passamos a perceber o quanto a escrita não dá conta daquilo que é da oralidade. E também o quanto toda escrita fica marcada por aquele que a produz, o que nos leva a pensarmos na isenção do historiador no momento de registrar uma história.
Biá vai ouvindo as versões de cada habitante de Javé. Cada um "puxando a sardinha" para o seu lado, apresentando algum detalhe que antes não havia. Como já dizem os ditados, quem conta um conto, aumenta um ponto. E existem sempre três verdades: a minha, a sua, e a que de fato existe. E Biá deixava claro aos moradores: Uma coisa é o fato acontecido. Outra, o fato escrito. E as verdades produzidas pelos moradores do vilarejo são compostas de memória. De uma memória mítica, onde se encontra com a fala. Uma memória que é feita de fala, que é produzida pela narração. 
            Diante disso, algumas pontes que podemos estabelecer com a literatura fazem referência a dois aspectos textuais apresentados pelo teórico Mikhail Bakhtin, a polifonia (as várias vozes de um discurso, uma vez que a coexistência de inúmeros narradores, narrativas e formas de narração compõem uma heterogeneidade discursiva, que é o que observamos no filme, nas várias narrativas que o compõem) e o dialogismo, a partir de uma citação do próprio Bakhtin: "Tudo se reduz ao diálogo. Tudo é meio, o diálogo é o fim. Uma só voz nada termina, nada resolve. Duas vozes são o mínimo de vida". 
            Além disso, importante lembrar das várias leituras que podem e devem ser feitas de uma mesma história. A história de Javé é, na verdade, as histórias de Javé. A história de cada morador é a leitura que cada um deles faz da localidade em que vive, o que prova que não existe uma só maneira de se ler algo, e sim maneiras de se ler. E de se escrever.

Ítalo Puccini

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Tipologia de leitores


‘Tava eu lendo umas coisitas teóricas sobre práticas de leitura e sobre a questão dos professores serem, ou não, sujeitos-leitores, quando me deparei com um texto em que a autora, com um embasamento teórico bem apresentável, indica uma “tipologia de leitores”, na qual ela classifica os professores participantes da pesquisa dela em “grupos de leitores”. Algo bem interessante de se pensar, nos tipos de leitores que somos. Porém, com a relevância de não nos limitarmos a essas categorias, uma vez que a leitura – e consequentemente os leitores – não pode ser pensada somente dentro de categorias.
Identifiquei-me em três das tipologias apresentadas pela autora (inclusive, preciso fazer referência a ela, ora pois: Ângela da Rocha Rolla, Doutora em Teoria Literária/PUCRS). E importante ressaltar que as descrições dessas tipologias apresentam como fundamento as vozes dos professores por ela entrevistados para a pesquisa.
Vamos lá:
1. Leitor compulsivo: É eclético: da história em quadrinhos ao último lançamento de um escritor valorizado pela crítica, tudo lhe desperta a curiosidade. Lê o que lhe cai nas mãos, mas mostra um espírito crítico em relação aos textos, emitindo opiniões a respeito de autores e obras. Tem livro espalhado por toda a casa, a leitura está em primeiro plano: são pilhas de livros que compra ou pede emprestado. Adora frequentar bibliotecas ou tem a sua própria. Lê de tudo a toda hora, lê no ônibus, no banheiro, lê na hora de dormir. Qualquer minuto livre que tem, ocupa nessa atividade. Às vezes até esquece que tem corpo, embriaga-se com a leitura.
(Já fui mais compulsivo. Mas a essência não se perde).
2. Leitor profissional: Não é um leitor ingênuo, ele lê para analisar estilos, buscando o valor estético das obras. A leitura literária e a produção de textos fazem parte de seu cotidiano profissional, são o instrumento do seu trabalho. Suas leituras constituem-se de obras técnicas sobre teoria literária e obras literárias de autores clássicos e modernos. Frequenta livrarias e círculos de leitores, tem um apreço especial por livros, que adquire com frequência, na medida de suas condições financeiras. Lê ficção para fundamentar as atividades voltadas ao ensino de literatura, oficinas de leitura, redação de artigos, projetos de pesquisa e também para seu lazer. A produção de textos é exigência do trabalho profissional, que apresenta oportunidades de realização de palestras, conferências, defesas de tese, publicações, etc. Faz leituras informativas, técnicas e literárias. É um iniciado em estudos literários. A leitura é prioritária na sua vida, constituindo-se não em trabalho penoso, mas em atividade realizadas com prazer.
3. Leitor escolar: Lê com um objetivo principal: indicar obras literárias para os alunos. Há uma preocupação com o trabalho didático, que absorve toda a sua disponibilidade para a leitura. Esta se reveste de obrigatoriedade, com a finalidade única de desenvolver seu trabalho docente, que consiste na análise e no comentário das obras solicitadas, cujo assunto não diz respeito aos seus interesses, nem ao seu gosto literário, principalmente quando se trata de literatura infantojuvenil. Por força da necessidade imediata e do pouco tempo disponível, realiza leituras rápidas, sem fruição. As leituras escolares não são consideradas leituras de lazer, para as quais na há espaço no cotidiano desse leitor.
Há, ainda:
Leitor Diletante: É um leitor ingênuo, que lê sem conhecimento prévio, por puro prazer. Tem um livro de ficção na cabeceira. Lê obras de autores consagrados ou popularmente conhecidos. Prefere literatura de consumo fácil: histórias de amor e de suspense, enredos de folhetim. Os critérios de escolha para ler são aleatórios, ao sabor do momento.
Leitor apressado: Caracteriza-se por ser um sujeito dinâmico, muito ocupado com o trabalho, que lhe deixe poucas horas diárias de lazer. Lê para se informar dos acontecimentos recentes e para se atualizar em assuntos diversos como política, religião, pedagogia, psicologia, espiritismo, etc. Não lê ficção ou lê eventualmente.
Leitor superficial: Lê eventualmente, sem privilegiar um tipo de leitura. Não manifesta preocupação com o valor estético das obras, nem mesmo as avalia. Escolhe os textos ao acaso, o que lhe cai nas mãos, geralmente a literatura de massa ou gêneros já consagrados, como o romance romântico. Não costuma realizar leituras para aprimoramento profissional, preferindo as de caráter utilitário e informativo.
       Leitor técnico: Faz leituras para estudo do trabalho docente ou de algum curso de especialização que está realizando. São leituras técnicas que versam sobre assuntos relativos às disciplinas que está cursando como aluno ou para aprofundamento teórico no campo profissional. As leituras informativas se reduzem a uma rápida olhada no jornal do dia, sem espaço para as reportagens de revistas. A leitura literária está ausente, raramente lê ficção, porque a leitura científica lhe toma todo o tempo disponível.
Não-leitor: Com uma história de vida distante dos livros, sem valorização da família na primeira infância, o não-leitor apresenta um comportamento avesso à leitura literária. Tem um contato esporádico com periódicos, que lê para se informar dos acontecimentos recentes e não consegue acompanhar um texto ficcional até o fim. Não dispõe de uma biblioteca, estando a leitura como lazer distante do seu cotidiano, que também dispensa hábitos culturais como cinema, teatro, músicas, esporte e outros.
E eu lanço aqui a proposta de que os leitores desta croniqueta possam registrar com quais tipologias se identificam, em que tipos de leitores acreditam que se encaixam. Enfim, que possamos pensar um pouco nos leitores que somos, ou que ainda podemos ser.

Ítalo Puccini

domingo, 10 de junho de 2012

tive gêmeos




acho que todos os textos já estiveram cá no blog. significam uma fase minha, de vivência e de escrita - tal qual tudo o que se é escrito e publicado porraí. minha felicidade está em fazer sessenta exemplares, trinta de cada volume. e de dá-los às pessoas. vai rápido, não importa. e não darei dois pra uma só pessoa. quem o receber, receberá somente um. e, se quiser ler o outro, emprestará com alguém. é rapidinha. é fazer o livro circular. livro de estante já tem um monte nesse mundo. 


o meu muito obrigado ao enzo, pelo incentivo e pela ousadia da editora cartoneira.

ítalo puccini

sábado, 9 de junho de 2012

leitura em família. matéria de jornal.

saiu no jornal anotícia - jaraguá do sul/sc, na edição de sexta-feira, 08/06, matéria sobre o exemplo de leitura do meu pai pra mim e de mim pro meu irmão mais novo.



Exemplo do pai para o filho

Além de dividir gosto por leitura, Vilmar e Ítalo escreveram obra biográfica juntos

Uma confirmação de que o hábito da leitura pode ser transmitido de pai para filho está na família Puccini. Apaixonado por livros, Vilmar Puccini Júnior, 55 anos, passou o exemplo ao filho, Ítalo Puccini, 25. Ele via o pai folhear jornais e revistas, sobretudo quando o assunto era esporte. Dos artigos esportivos para os romances foi um pulo e, hoje, Ítalo é professor de literatura e cronista, o que lhe valeu a participação no bate-papo da Feira do Livro de Jaraguá do Sul na última sexta-feira. Tudo convergiu para que Vilmar e Ítalo trabalhassem juntos no livro lançado em 2009 que narra a história do pai e avô Vilmar Puccini, ex-goleiro do time joinvilense Caxias. “A Trajetória de Puccini” hoje está disponível apenas por encomenda.

Por causa da profissão, Ítalo chega a ler dois livros por semana e possui um acervo de quase mil exemplares. O pai também sempre tem um na cabeceira e seu gênero preferido é a biografia. Eles confirmam que a bagagem literária foi essencial na hora de se aventurarem na escrita. “Dediquei quatro anos em pesquisas para que o livro pudesse ser escrito. Mas o processo começou muito antes. Todos os livros que já lemos nos ajudaram de alguma forma”, afirma Vilmar.

Além do gosto por leitura, um herdou do outro manias parecidas. Folhear um jornal, por exemplo, só de trás para frente. “Tomei gosto pela leitura vendo o meu pai ler o jornal de trás para frente. Isso a gente faz até hoje. Comecei a ler os jornais, depois a revista “Placar”, procurei livros sobre futebol e, dali para frente, romances. Foi pelo exemplo de casa que comecei a ler”, descreve Ítalo.

Agora, ele trata de repassar o exemplo do pai ao irmão por parte de mãe, Luigi, de nove anos. O menino começou a ler há dois anos e é sempre incentivado. “Desde que ele tem três anos leio com ele. Agora, está começando a ler sozinho mas, ainda sim, procuro sempre ler junto, para que tenha o gosto pela leitura sem ser de forma forçada”, relata Ítalo.

Sobre as novas tecnologias, como os tablets, as opiniões se dividem. Vilmar acredita que nada se compara a folhear um livro. “Para mim, o livro de papel não vai acabar nunca. Tocar no papel e apreciar uma boa leitura não tem preço”, defende. Ítalo é mais aberto à novidade. “No meu caso, que preciso estar sempre com a bolsa cheia de livros, é interessante, o tablet vem para facilitar. Posso carregar mais obras comigo. Claro que tenho uma paixão pelo objeto, mas a tecnologia chega para complementar”, contrapõe.
SAIBA MAIS:
Publicado em edição limitada, “A Trajetória de Puccini” está hoje disponível apenas por encomenda. Quem tiver interesse, pode contatar o autor Ítalo Puccini pelo email italopuccini@yahoo.com.br

Pelo Caxias, Vilmar Puccini foi bicampeão catarinense nos anos 1950. Foi ainda presidente, técnico e goleiro do time da empresa Tigre. Fez 84 anos em maio e mora em Jaraguá com o filho.


sexta-feira, 1 de junho de 2012

A função do leitor. Ou: fazendo bater


            Às vezes eu inicio uma aula lendo. Algo bem aleatório mesmo. Acho super válido. (Tornar a leitura um hábito, algo mecânico e repetitivo, não considero interessante). Gosto da leitura pela leitura. Sem cobranças posteriores. Quem pegar, pegou. Quem não pegar, numa próxima pode ser. Ou não. Toda leitura é questão de tempo.
Fazendo bater. Acho que é isso que acontece quando eu levo um livro para os meus alunos. Para ler com os meus alunos. Acho que rola dentro de mim, quase no inconsciente, um querer que eles se batam. Os livros e os alunos. Que eles colidam, entrem em choque mesmo. Em todos os sentidos. Porque a leitura precisa marcar. Porque a vida precisa ser marcada pelas leituras. Senão não é leitura. Senão não pode ser vida.
Dias desses, li isto daqui:

" A função do leitor

Quando Lucia Peláez era pequena, leu um romance escondida. Leu aos pedaços, noite após noite, ocultando o livro debaixo do travesseiro. Lucia tinha roubado o romance da biblioteca de cedro onde seu tio guardava os livros preferidos.
Muito caminhou Lucia, enquanto passavam-se os anos. Na busca de fantasmas caminhou pelos rochedos sobre o rio Antióquia, e na busca de gente caminhou pelas ruas das cidades violentas.
Muito caminhou Lucia, e ao longo de seu caminhar ia sempre acompanhada pelos ecos daquelas vozes distantes que ela tinha escutado, com seus olhos, na infância.
Lucia não tornou a ler aquele livro. Não o reconheceria mais. O livro cresceu tanto dentro dela que agora é outro, agora é dela".

(Eduardo Galeano, página 20 de "O livro dos abraços").

Daí você lê, fecha o livro, olha pr’aquelas carinhas miúdas que devolvem o olhar para você como que dizendo "tá, e daí?". E então você devolve a pergunta "tá, e daí?". E o melhor de tudo é o silêncio que fica. Essencial para se tocar a aula adiante. Até quem sabe, no meio dela, ser interpelado por uma pergunta: "Quem inventou a escada, professor, queria subir ou queria descer?". 
E aí, eu acho, você sente que muita coisa nessa vida vale toda uma existência.
A leitura e toda sua individualidade poderiam abrir espaço para a leitura e toda sua possibilidade de ser vivida-compartilhada, não é mesmo? Ler com os ouvidos e ler com os demais são práticas que se escondem no cotidiano, inclusive de uma escola, de uma sala de aula. E que pedem para ser encontradas, minuciosamente, nos cantos de solidão pelas quais se espreitam.
Mergulho, então, nos livros e nas histórias que me levaram a subir e a descer escadas e a querer torná-los lidos por mais pessoas. Em alguns muitos que hoje em dia leio para a guriada, sentindo que eles (os livros) podem ser caminhos para eles (os alunos) dentro deles mesmos. Podem ser portas nas quais eles entrem e façam moradia. Em uma bolsa amarela, por exemplo, em um sofá estampado, em uma distância entre as coisas, em um livro invisível.
Umas das minhas maiores conquistas tem se tornado recorrente. É ouvir toda semana dos alunos, assim que eu entro em sala, a pergunta: Vai ler pra gente hoje, professor? A pergunta por si só basta. Mas a ela e à resposta que dou, vem acompanhado um comentário tão maravilhoso quanto. Se digo “não, hoje não será possível, há bastante coisas a produzirmos, conteúdo e afins”, o desalentado “aaaah” quase me faz mudar de ideia e esquecer do planejado para aquela aula. Se digo “sim, e será agora”, o rápido movimento que a turma faz de logo silenciar para ouvir o que tenho a ler me faz pensar que só aquilo já basta. Às vezes o ato de ler tem uma importância menor do que os movimentos oriundos de tal prática. A vida significando pelas arestas. Das margens para o centro. E voltando às margens.
Não se pode andar só pra frente.
Um texto precisa do leitor para existir. A leitura precisa ser compartilhada para existir.

Ítalo Puccini

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Bob Dylan existe - e um show d' O Rappa é duca!


            E eu o vi de perto. De muito perto. Coisa de dois metros de distância. Quase colado à grade da pista do Pepsi On Stage, em Porto Alegre, na terça-feira 24 de abril. Por uma hora e cinquenta minutos ele esteve à minha frente. E começou cantando Leopard-Skin Pill-Box Hat, do disco Blonde on Blonde - assim como fizera nas outras apresentações nesta recente passagem pelo país – emendando com o hit It's All Over Now, Baby Blue. E na terceira música já veio a gaita de boca. Você não acredita que aquele som exista até que o ouça ao vivo. Você não acredita que aquela pessoa exista até que você a veja com os seus próprios olhos.
Não paro de ouvi-lo já faz muito tempo. Anos e anos. Ouvindo e lendo sobre o ser extremamente tímido e por isso misterioso que pouco se deixa mostrar pela mídia. Inclusive levei o livro autobiográfico “Crônicas – Volume um” para meus alunos do Terceirão, em determinada aula, e foram meses até ele voltar a mim. Uma boa meia dúzia passou a conhecer um pouco mais da vida de Bob, algo que muito me alegrou, imagina senão.
            (Abrindo um parêntese: Porto Alegre é cidade grandimais. E suja demais. Acolheadora, pareceu-me. Bati perna, conheci a ‘Casa do Mário” (Casa de Cultura Mário Quintana) e o aeroporto Salgado Filho (este porque ficava em frente ao local do show). Além do próprio Pepsi On Stage, da rodoviária e de alguns ônibus e táxi’s. Aliás, só em Porto Alegre eu vi um Váxi, uma vaca instalada no meio da rodoviária, com a plaquinha com tal nome sobre ela. Não me perguntem o que significa. Bom, isso tudo meras impressões de quem passou breves 24h por lá).
            Voltando a falar sobre o ser de cabelo-cacheado-parecido-com-o-meu, e de voz rouca, o que não faltaram foram descontração e empolgação: dos fãs, obviamente, da banda, e do próprio Dylan, desmistificando o mito de que não interage com o público. O homem arriscou passinhos de blues, risos tímidos, brincadeiras com os músicos, e até fingiu passar mal, levando por vezes a mão à nuca, fazendo caretas de cansaço e de falta de ar. Vai que é a idade, né? Mas prefiro a ideia de que ele fingiu, de que o bom humor era tanto que até brincou com o público – e com os próprios músicos que faziam expressões de susto e não desgrudavam os olhos dele nesse momento. Pareceu-me tão bem ensaiado quanto a execução das músicas.
Seis dias depois, assisti a um show d’ O Rappa, em Camboriú. E os caras merecem algumas linhas aqui, sim. (Prometo voltar à Literatura na semana que vem. Já chega de futebol e música, eu sei, leitor). Coisa bonita de se viver é um show de uma banda ou de um músico de que você gosta – às vezes até de quem você não conhece muito. A energia compartilhada num local e num momento como estes é inigualável. São sensações e lembranças que se guardam pro resto da vida, sem dúvida. E não sei bem o porquê de estar escrevendo esta crônica, afinal, somente vivendo um show para senti-lo como realmente foi. Mas eu acredito nas palavras e na possibilidade de troca de sentires entre autor e leitor. Enfim, a ‘quebradeira’ proporcionada pelo Rappa foi ducaraleo! Não havia como não pular ensandecidamente, numa mesma vibração, num mesmo tom de voz: o grito. Duas horas e meia de show, roupa encharcada, pernas e braços doloridos, rouquidão, e uma leveza mais eficiente do que a eterna mania de descansar (vulgo, ficar parado).
Uma áurea mítica com o Dylan, um silêncio que precede o esporro com O Rappa. Independente do estilo musical, quando se curte e se está disposto a tal, um show ressignifica muito umas milhares de vidas.
With God On Our Side, Valeu a pena, êê.

Ítalo Puccini