sábado, 27 de fevereiro de 2010

Entre livros, entrelinhas



Possíveis leituras da nova obra do escritor Carlos Henrique Schroeder

1. Uns livros para uns leitores
“Para escrever, antes de tudo, e de mais nada, é preciso ler”, diz uma das frases-de-efeito-incentivadoras-de-novos-escritores. Não somente ler. Mas ler. Ler muito. Ler além do que seja possível.
“Escrever é dançar valsa e tomar café ao mesmo tempo, ou beijar com palavras”. Isto não é um ditado. Antes, uma frase de efeito com autor assinando embaixo. É do escritor catarinense, natural de Trombudo Central e residente em Jaraguá do Sul há seis ou sete anos, Carlos Henrique Schroeder. É uma das tantas frases que compõem seu novo (e nono) livro, “As Certezas e as Palavras”.
Carlos Henrique Schroeder é romancista, dramaturgo e contista. Além de editor e leitor. É escritor que segue à risca a frase de abertura deste escrito. Arriscaria dizer que, mais do que escritor, Schroeder é leitor. E este “mais” não no significado de melhor, e sim na referência de sua formação e de sua atuação. Leitor para quem “a leitura não é apenas uma prática, mas uma forma de vida”, citando o escritor argentino Ricardo Piglia, um dos tantos autores reverenciados por Schroeder em seu novo livro, por meio de uma metalinguagem que tem se tornado uma constante nas recentes produções do autor.
Em “A Rosa Verde” (EdUfsc, 2005), são três narradores que dão conta da história que é sobre o integralismo e também sobre o ato de escrever. Três narradores, três visões de diferentes espaços-tempo, o que exige do leitor uma atenção redobrada nos caminhos que a narrativa alcança. E no “Ensaio do Vazio” (7 Letras, 2006) há a revolta do personagem Ricardo junto ao escritor Carlos, como no momento em que o personagem grita: “Ei, Carlos! Vais me deixar assim, aqui? Perdido!”. E agora este “As Certezas e as Palavras” surge com dizeres sobre a escrita, como este: “Queria eu poder ter uma página em branco. Uma vida em branco. Mas a cada passo, a cada linha, deixo feridas e rabiscos”, e também com novas referências a livros e autores que marcam o leitor que é este escritor.
Dessa forma, Schroeder dá voz à literatura e à escrita enquanto faz literatura e escreve. Ao mesmo tempo em que espera do leitor uma capacidade leitora para acompanhar suas tramas e os devaneios de seus personagens. Uma ficção que não depende somente de quem escreve, mas também de quem a lê. Assim devendo ser, uma vez que um texto não sobrevive sem um leitor. Uma ficção que pede por uma releitura. O ato de ler novamente. De reler. De ler ao contrário do que já se leu. E, mais ainda, de relacionar leituras. Os caminhos apresentados são muitos nas 19 narrativas à disposição do leitor.
O leitor convidado pelo autor na recente produção pode ser associado ao “Último leitor” apresentado por Piglia, O leitor “extremo, sempre apaixonado e compulsivo; viciado, que não consegue deixar de ler, insone, sempre desperto”, para quem a leitura é uma forma de vida, para quem a literatura dá um nome e uma história, “retira-o da prática múltipla e anônima, torna-o visível num contexto preciso, faz com que passe a ser parte integrante de uma narração específica. É o último leitor, aquele leitor em busca do sentido da experiência perdida”, que dá à literatura uma utilidade inimaginável. Que dá ao livro uma vida transformadora.
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2. Possíveis amores e a identidade do ser
Por entre essa preocupação com a literatura, com a escrita, e com o sujeito-leitor que a compõe, as curtas narrativas de Carlos Henrique Schroeder cavam fundo naquilo que está em qualquer parede-canto-de-banheiro: o amor; o desejo de amar e ser amado, e de não conseguir.
O amor que existe ao mesmo tempo em que não, nunca, jamais, acontece. O amor que cria regras para ser destruído. O amor que faz perder. Que vibra com isto.
As personagens construídas por Schroeder expõem o que há de mais puro em suas formas de amar. Expõem-se querendo dar ao leitor. Dar o que for para dar. Seja amor, seja dor, seja o corpo. Ou até mesmo a palavra manchada na página. Joanas, Andersons, Gustavos, Júlias, Otávios, Jéfersons, Cássios ou Sarahs. À escolha e ao desejo do leitor. À entrega de ser o que não se é. Afinal, “ser é ser. Eis a questão”, sinaliza-nos Carlos, o autor. Ou seria algum dos personagens sem nome, que ainda encara o leitor com mais esta: “Eu quero escrever aquele livro, aquele, o que você não quer ler”.
“Aquele” livro que talvez seja este. Ou muito provavelmente algum outro ainda a ser escrito por Schroeder, que de certezas diz não ter nenhuma, mas que de palavras guarda quantas muitas para compartilhar com seus leitores.

Ítalo Puccini
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Publicado no Caderno Ideias, do Jornal ANotícia

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

o fantástico nas narrativas de marina colasanti


A imaginação – como a inteligência ou a sensibilidade – cultiva-se ou se atrofia. (HELD, 1980, p. 14)


     Para quem já leu os contos de Marina Colasanti nos livros “Doze reis e a moça no labirinto do vento”, “Uma ideia toda azul”, e “Longe como o meu querer”, por exemplo, pode estar acostumado ao estilo cuidadoso e aos elementos fantásticos que permeiam a narrativa desta autora. E agora, nos dois novos livros lançados por ela, ambos editados pela Global, com capas e formatos semelhantes, encontrarão novamente contos narrados com precisão e repletos do que há de maravilhoso no imaginário da contação de histórias.
      “do seu coração partido” (assim mesmo, com letra minúscula) é um dos dois livros que a autora lançou no final do ano passado. Um livro com doze contos, com doze narrativas-poéticas em que a realidade é apresentada em suas facetas mais deslumbrantes e místicas. Em suas dualidades: amor e morte, encontro e desencontro, angústia e plenitude.
      Os contos ainda são apresentados com algumas imagens em tons fracos, delicados, e os títulos de cada conto tomam conta de uma página toda. Um livro cuidadoso em seu formato. Um livro feito pensando no leitor, afinal, conforme Cagneti (2009, p. 34) deixa claro, “Ler um livro, hoje, principalmente em se tratando de infantil ou juvenil, é lê-lo em seu todo: capa, quarta capa, cores, ilustrações, diagramação, enfim, todo o projeto editorial. Muito há para ser lido em cada um desses aspectos que compõem a obra”.
     Ler os contos de Marina Colasanti exige muita atenção. Um olhar de leitor entrelinha, e uma capacidade de se admirar com o inesperado, pois, como bem está escrito na última linha da contracapa do livro, “não cabe à razão operar histórias que escapam às fronteiras do possível”. E os contos de Marina Colasanti levam a isto mesmo, a senti-los pela emoção de lê-los, longe, longe da razão e de suas possibilidades.
     Diante disso que a frase que serve de epígrafe para este texto tem muito do que os contos desta autora oferecem aos leitores, um cultivar da imaginação, da inteligência e da sensibilidade. Não de uma imaginação alienada do que há de real, mas sim de uma imaginação que contribui para a leitura deste real vivido pelo leitor. Algo citado, por exemplo, por Jacqueline Held, em seu livro “O imaginário no poder: as crianças e a literatura fantástica” (1980, p. 28), quando a autora lança a seguinte indagação: “O que é que vivifica o fantástico e vem lhe dar sua verdadeira densidade, senão a simples vida cotidiana, com seus problemas, sua comicidade, seus ridículos, sua mistura íntima de cuidados, de angústia, de pitoresco, de ternura?”
     É um pouco de tudo isso que a contista Marina Colasanti oferece aos seus leitores. Um repensar a realidade por intermédio de narrativas que lidam com o fantástico e com o imaginário de cada um. Um pouco-muito do que o estudioso francês Daniel Pennac (1993, p. 19) afirma, que “(...) a virtude paradoxal da leitura que é nos abstrair do mundo para lhe emprestar um sentido”.
     Não costumo fazer isso, mas, para quem ainda não leu nada de Marina Colasanti, faça o quanto antes, por tudo o que foi escrito aqui, e por muito do que cada leitor pode acrescentar àquelas histórias. Porém, é necessário lê-la preparado para receber histórias “de coração partido” e de muito além da compreensão.

Ítalo Puccini