terça-feira, 19 de dezembro de 2023

eremita

pelo espectro
me fiz humano

exaurido 
de um passado
em solidão

hereditária

meu calcanhar de aquiles

o orgulho
na nuca
de um sono

pragmático

ítalo puccini

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

de tudo se faz canção





as vírgulas estão lançadas
em livro no qual propositalmente não há vírgulas somente pontos finais de modo que o ritmo de leitura seja definido por quem lê. 
barthes gostaria disso. 
de orelha escrita por tiago importante incentivador da ideia de que as narrativas tramadas em versos musicais compusessem um livro essa obra integra a coleção ficções avulsas da editora medusa de ricardo e eliana ele poeta ela artista plástica também entusiastas dessas vírgulas já divulgadas em pato branco e curitiba cujo próximo lançamento será em jaraguá do sul no macuco em dezembro. 
meu agradecimento especial aos três assim como aos leitores e às leitoras que farão nascer novos textos a cada novas leituras.

ítalo puccini

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

um convite que requer cuidado

 

é um livro pequeno. de capa toda amarela chamativa. ainda mais quando verificado o nome de quem o escreveu: tim burton. o cineasta que dirigiu filmes como "Edward, mãos de tesoura", "A noiva cadáver", "A fantástica fábrica de chocolate", "Peixe grande" e "Alice no país das maravilhas". ele mesmo é o autor de  “O triste fim do pequeno menino ostra e outras histórias”, livro cujo título, ao contrário da capa, talvez não atraia em um primeiro momento, nem mesmo em um segundo olhar. pois não é fácil se encantar por histórias no mínimo pitorescas, para não dizer assustadoras.
        da forma como o livro é construído, com ilustrações feitas pelo próprio autor – que remetem ao traço já característico em seus filmes, misturando susto e encanto, cores e preto e branco – e com a escrita das narrativas em versos, passa-se a impressão de ser um livro destinado ao público infantil, que conquista pelo encantamento entre imagens e histórias, quase como se fossem poemas. mas eis o engano. esses textos de burton são narrativas que apresentam a poesia trágica e desconcertante do viver.
        há, por exemplo, narrativas como esta:
 
        “O melão melancólico
 
        Era uma vez um melão melancólico.
        Passava o dia inteiro macambúzio.
        Querendo a hora do próprio velório.
 
        Ora, cuidado com os teus pedidos!
        Pois o dele foi de pronto atendido.
        O último som que entrou em seus ouvidos
        Foi o “ploft” em que acabou dissolvido”.
 
        e outras mais, como a de breno, o menino veneno, que encontra seu triste fim quando é colocado para respirar ao ar livre num dia de verão, o que deixa no leitor a indagação se há contradição de vida mais trágica do que essa. em outro caso, a menina trash, que tinha "a cara suja de carvão / A pele de puro cascão / E uma catinga de gambá" foge do casamento com o gari pulando em um triturador de lixo. e o leitor fica assim mesmo, perguntando-se como e por que este fim a ela? sem contar o caso do menino ostra, o anunciado na capa do livro, que acaba devorado pelo pai, quando este buscava um afrodisíaco para melhorar seu desempenho sexual. e após o enterro do filho a cena é esta:
 
        "Já em casa, na cama quentinha
        Papai beija mamãe, se abraçam
        de conchinha:
        'Vem, meu bem, hoje estou com toda a
        adrenalina!'
 
        'Ok', ela sussurra, 'só que desta vez
        tem de ser uma menina’”.
 
        e a vida segue. como se comer o filho não fosse nada, afinal, basta fazer outro, desde que seja uma menina, segundo a mãe.
        o título do texto que dá nome ao livro, “Triste fim do pequeno menino ostra”, já indica o que há de mais presente na obra: o tom trágico que perpassa as histórias. finais que chocam pela simplicidade narrativa a qual deixa os leitores com cara de paisagem, perguntando-se como foi possível terminar daquele modo tal história.
        há, também, uma construção de personagens nitidamente deslocados de uma suposta normalidade social, característica similar à dos filmes de burton. personagens que existem - ou ao menos tentam - nas laterais, nas sobras, nas rebarbas da existência. conforme consta em uma das orelhas do livro, "Como seus personagens, este livro parece deslocado. Não se enquadra em nenhum nicho. É triste, mas engraçado. É infantil, mas adulto. A mente de Burton é um universo à parte. E este livro parece ser sua melhor radiografia".
        há tudo de infantil na capa do livro, e nos desenhos, e na forma como os textos são escritos e se apresentam a quem os lê. porém, toda leitura requer um cuidado quando direcionada a crianças, no sentido de adequadamente se mediar a interação entre universos tão diferentes como costumam ser os de uma criança e os de uma mente como a de burton.
        por fim, toda leitura pede um momento para acontecer. é preciso respeitar a formação leitora de cada pessoa. e se os filmes de tim burton podem ser menos impactantes, o convidativo livro do cineasta pede um cuidado sobre as possíveis formas de condução de uma leitura. afinal, de trágica já basta a vida, segundo burton.

ítalo puccini

sábado, 23 de setembro de 2023

novas perguntas-neruda

o que pensam os gatos
quando leem neruda

e se amassassem uvas
os felinos

entre pares e ímpares
quais as horas mais coloridas

como escolhe um gato
uma bola para encaçapar

uma sinuca felina se decide
no fio do bigode

ítalo puccini

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

terra do vinho

as árvores 
em urussanga
são também de uvas

ítalo puccini 

quarta-feira, 12 de julho de 2023

delírios

você já tentou destruir uma teia de aranha 
com um sopro

vazam fantasmas da represa
ao pé do ouvido

embaraçadas palavras
em libido de vestal

o avesso da dor
ao descortinar do presente

ítalo puccini

domingo, 4 de junho de 2023

breves notas de um ensaio para o futuro

meu sobrinho de 3 anos, quando chamava o avô dele, meu pai, assim dizia: vovô vê o mar. e abriam os dois um sorriso largo e feliz, joaquim e vovô vilmar.


o pai morou na praia de itaguaçu por cinco anos, sendo a maior satisfação dele o fato de diariamente ver de perto o mar.

naquele mar, semanas atrás, eu joguei um pouco das cinzas do pai, numa tarde nublada e chuvosa de um domingo. também num domingo chuvoso e nublado, mas em urussanga, espalhei um outro pouco das suas cinzas na árvore em frente à casa da minha avó paterna, onde o pai brincava nas férias escolares na infância. em ambos os momentos, tive a sensação de que ele estava lá comigo, feliz.

*

nada disso desfaz da morte o absurdo.

lembro-me diariamente do título que rosa monteiro deu ao livro "a ridícula ideia de nunca mais te ver", escrito por ela após 1) perder o marido com quem vivera por mais de vinte anos 2) conhecer o diário que marie curie escreveu durante o primeiro ano da perda do seu amado, pierre. e em toda sessão de análise, nos últimos dois meses, repito não haver nada mais absurdo e ridículo que a morte e a impossibilidade de conversar com quem não está mais aqui vivo.

num trecho, escreve assim rosa monteiro: “A ideia simplesmente não entra na sua cabeça. Como é possível que não esteja mais? Aquela pessoa que ocupava tanto espaço no mundo, onde foi que se meteu? O cérebro não consegue entender que tenha desaparecido para sempre. E que diabos é sempre? É um conceito anti-humano. Quero dizer, que foge à nossa possibilidade de entendimento. Como assim não vou vê-lo nunca mais? Nem hoje, nem amanhã, nem depois, nem daqui a um ano? É uma realidade inconcebível que a mente rejeita: não vou vê-lo nunca mais é uma piada sem graça, uma ideia ridícula.”


hoje se completam dois meses da morte do pai. parece que faz cinco anos. a falta diária se veste de eternidade. paola denomina esse sentimento como perda existencial: não existe mais a mesma vida de antes a partir do momento em que se é órfão de um pai ou de uma mãe.

*

eu me lembro de quando li pela primeira vez "as intermitências da morte", do saramago, há mais ou menos quinze anos. nunca mais perdi o encanto de imaginar a morte se apaixonando e por isso deixando de matar. à época, inclusive, escrevi um conto intitulado "apaixonar-se é adiar a própria morte". gosto desse título até hoje. 

ondjaki escreveu recentemente, na revista 451, que a morte é um lugar estranho. pois prefiro ainda a palavra escolhida por rosa monteiro.

sinto que escrever não é suficiente - apesar de teimar nisto - mas sim apenas um sublimar paliativo.

*

o maior prazer que meu pai sentia quando internado e ainda lúcido era beber uma água bem gelada. ele nos exigia buscarmos no corredor água gelada, mesmo havendo no quarto uma jarra recém-trazida de água fresca. e a cada gole ele fazia um "aaah" de plena satisfação. foi, imagino, sua última alegria na vida. talvez uma das.

no seu último sábado vivido, à noite liguei no celular o jogo do flamengo e posicionei o aparelho de modo a nós dois assistirmos. já fazia dois ou três dias que o pai não respondia mais com lucidez às intervenções externas, mas eu o vi nitidamente sorrir quando o fla fez um gol e eu disse, erguendo firme a mão dele: pai, gol do mengo, um a zero pra nós. sua última lembrança rubro-negra foi uma vitória, disso tenho certeza.

há poucos dias, o mengo venceu novamente o flu, eliminando-o e passando de fase na copa do brasil. volto à rosa monteiro e penso: como assim não posso enviar uma mensagem a meu pai para comemorarmos juntos essa classificação?

como é ridícula a morte.


*

a imagem mais marcante que guardo nas retinas de mim é o respirar lento de meu pai nas últimas horas de vida. era eu quem estava ao lado dele, no quarto do hospital, naquela tarde e noite de terça-feira. eu via o peito dele subir e descer de maneira gradativamente mais lenta. foi escolha médica a indução de um respirar menos sofrido ao pai. eu e fran concordamos com esse conforto a ele, mesmo que lhe significasse o apagar mental antes de efetivamente parar de respirar. não me lembro dessa imagem de forma trágica. também não encontro alegria nela. eu me sentia vendo de perto a inevitabilidade da morte quando não apaixonada.

ainda não sei o que fazer com a lembrança do momento em que coloquei a mão no peito dele e...

não existe despedida que ampare a morte de um pai.

*

nas semanas seguintes ao falecimento do pai, canalizei meu luto numa compulsão por doces. transitei por padarias, especialmente nas quais estive com ele. eram encontros frequentes que nós tínhamos e dos quais muito gostávamos: um café, um salgado, mais um café, um doce, um suco de laranja, outro doce, talvez um último cafezinho. lembro-me do nosso último café. e do último cigarro que ele fumou.

sempre pensei na morte de meu pai. desde a infância vivi o medo de perdê-lo, especialmente para o cigarro ou a bebida. e nas minhas sessões de análise entendo o quanto esse pensamento representava uma morte simbólica de um medo meu de repetir meu pai. eu quero encontrar uma maneira de viver com autoria minha própria vida. e por consequência contradizer belchior: não necessariamente seremos os mesmos a vivermos como nossos pais. 

quando eu tinha dez anos, meu pai colocou pra tocar o álbum "vício elegante", do belchior. tenho até hoje esse cd de capa azul e essa marca de nascença.


nas sessões de análise, pois, percebo que pela morte de meu pai posso agora fazer fluir de dentro de  mim uma represa chamada filho.

*

ítalo puccini


quinta-feira, 11 de maio de 2023

despedida

das cinzas
o mar em itaguaçu nasceu
arco-íris

ítalo puccini

quarta-feira, 26 de abril de 2023

apendicite

uma vida inteira
com medo de sentir

a dor 

daquilo que não
se controla

ítalo puccini

segunda-feira, 20 de março de 2023

quaresma do luto

vou eliminar março do calendário
antecipar o outono
sublimar a dor

nas frestas do inconsciente
vasculhar os
não ditos

fantasias de um porvir

meu alheamento é mágoa
minha tristeza
apego

leio para contornar a angústia
escrevo por desejo
e vingança

exercícios diários das perdas

do controle fiz areia
do afeto minha autoria
da saudade fantasma

o mar é bonito
quando em vazão
de futuros possíveis

não existe amor no abandono

ítalo puccini

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

ser tão mar

        



            minhas férias de verão eram na praia de itaguaçu. sessenta dias de mar. e durante os outros meses também íamos para lá, em algum final de semana, feriado ou recesso escolar. o pai morou em itaguaçu por alguns anos, e em minha memória eu guardei inclusive dias nublados e chuvosos. foi quando aprendi na infância a escutar aquela curva de água explodindo na própria água: a metalinguagem marítima. por isso o mar de um vendaval e de uma chuva sempre me encantou mais do que uma enseada de água salgada - mas nesta o nado faz mais sentido, parece-me.
        de todo modo, todo mar requer coragem. para ver tocar entrar tornar-se um. coragem da personagem mulher do conto "as águas do mundo", da clarice, de que paola me lembrou após eu enviar a ela bethânia cantando "e eu que não sei quase nada do mar / descobri que não sei nada de mim" - versos que moraram aqui durante todo um dia e a levaram a esse conto e a mim a este ensaio.
            e o conto de clarice começa com: "Aí está ele, o mar, a mais ininteligível das existências não humanas. E aqui está a mulher, de pé na praia, o mais ininteligível dos seres vivos. Como o ser humano fez um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornou-se o mais ininteligível dos seres vivos. Ela e o mar. Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos incognoscíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões."
            entrega feita com coragem, palavra à qual clarice chega no decorrer dessa narrativa: "A mulher não está sabendo: mas está cumprindo uma coragem. Com a praia vazia nessa hora da manhã, ela não tem o exemplo de outros humanos que transformam a entrada no mar em simples jogo leviano de viver. Ela está sozinha. O mar salgado não é sozinho porque é salgado e grande, e isso é uma realização. Nessa hora ela se conhece menos ainda do que conhece o mar. Sua coragem é a de, não se conhecendo, no entanto prosseguir. É fatal não se conhecer, e não se conhecer exige coragem."
           entendi, clarice. por mais que seja para senti-la, eu a entendi. quando meu não saber me deslocou para o mar. tanto que este texto eu nasci há alguns meses para encarar esse medo: aprender a desver o mar gravado na retina da minha infância e criar uma nova cartografia dele em mim. incentivado por josi, que me propôs dois aprendizados - do deslocamento do mar e da escrita - a partir de um novo caminho geográfico do mar que eu navego, não mais do mar que me navega. ok, paulinho?
            nos últimos anos, tenho ido com frequência a itaguaçu. e quando nas sessões de análise também me desloco em memória para lá. naquele mar eu construí, a partir da solidão, meu ideal de mim mesmo. era eu o eu lírico de "dois barcos", do marcelo camelo: sobre estar só eu sabia no mar aonde eu ia. e para transformar o ideal do eu em meu eu ideal - um palíndromo psicanalítico - escolhi uma sequência de praias nos últimos meses do ano passado e em direção a elas fui, sozinho, acessando lembranças de quando eu ia visitar o pai em itaguaçu e assim sozinho me sentia. deslocar-me pela solidão, no meu caso, implica ressignificar as ondas de mar que formam as rugas do meu rosto. sinto-me mais próximo de rodrigo, o narrador de "a hora da estrela": "isso será coragem minha, a de abandonar sentimentos antigos já confortáveis".
            não preciso mais ser santiago, o personagem do hemingway em “o velho e o mar”, que aceitou a solidão como essência de vida e especialmente a materializou durante os 84 dias nos quais nada pescou. santiago lutou sozinho, com sucesso, para pescar um peixe de tamanho descomunal e depois, sem sucesso, para evitar que tubarões atacassem a presa. foi e voltou desacompanhado de outros humanos, mas não sem estabelecer conversas consigo mesmo e com os animais marinhos que cercavam o barco. lembro-me de sentir em santiago uma companhia na minha adolescência: minha solidão-leitora acompanhava-lhe a solidão-marítima e a paciência diante das frustrações diárias.
            não sei se rubel compôs a canção homônima ao livro de hemingway pensando em santiago, mas ao cantar "e se perder / calma" o poeta parece descrever o personagem. e me ensina a como agir diante das perdas.
            inclusive aprendi a escolher perder, às vezes. afinal, a vida não é sobre justiças. e são tantos os fantasmas que nós criamos.
          "perdido a me perder mar adentro" cantam o vitor ramil e o jorge drexler, em “viajei”. exatamente como me sinto nos últimos meses, aprendendo a perder - um duro exercício, segundo a rosane, com quem compartilhei leituras que fiz de versos da bishop e do drummond sobre o perder: para o poeta mineiro, "Amar o perdido / deixa confundido / este coração", enquanto a poetisa norte-americana reitera três vezes que "A arte de perder não é nenhum mistério".
         mas a mim sempre foi. a solidão me era uma derrota. que por mecanismo de defesa eu transformei em uma forma de vitória e arrogância - e nessa condição perder sempre é mais doloroso. e me lembro de que eu me dirigia para a frente do mar tentando entender o motivo da minha sensação de desamparo. "o mar [que] promete terra seca ao viajante exausto", cantado por ramil em "tierra" era o lugar onde eu acreditava ser capaz de preencher o meu vazio perdido e onde eu também fiz todo o meu pranto, parafraseando o teago oliveira.
            eu tentava incorporar os versos de “vento no litoral” e cantarolava junto com renato, deixando a onda me acertar e o vento levar tudo embora. o vento sardo cantado pro drexler e marisa: que levanta a onda e ondula o mar. meu vazio esticava minha solidão ao infinito. e quando eu via o mar algo me dizia que a vida continuaria e que se entregar seria uma bobagem. renato tinha razão. nando também tem: "quando a gente fica em frente ao mar a gente se sente melhor". ainda mais se o sentimos - o mar - como apenas nosso, tal qual nos versos de sophia de mello breyner andresen: “mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim / a tua beleza aumenta quando estamos sós / e tão fundo intimamente a tua voz / segue o mais secreto bailar do meu sonho / que momentos há em que eu suponho / seres um milagre criado só para mim”.
            no ano passado, então, cantando belchior, eu morri. e, angustiado em uma crise existencial, o mar foi o lugar para o qual me dirigi, por sugestão da josi, que me disse "vá ao mar para se curar e se libertar". fui, não sem receio: olhava enviesado para aquele infinito. fingia não vê-lo. desviava do som dele. mesmo assim eu estava lá: no farol de santa marta, nas praias de laguna, na guarda do embaú, na praia do rosa, no campeche e, claro, em itaguaçu. lugares sugeridos por fox, com quem inclusive ainda vou percorrer de moto algumas praias da ilha de santa catarina em um final de semana qualquer adiante.
            aliás, se eu pudesse mudar de nome por um tempo, escolheria ser chamado de itamar. não somente por admirar o autor de "torto arado", mas porque este ensaio nasceu em mim nos últimos meses, momento em que as ondas habitaram minhas memórias e ecoaram essas sílabas: ita e mar.
                ser tão mar.
            não literalmente o sertão que vira mar como na canção "sobradinho", de sá e guarabira, mas metaforicamente sim: o medo que dá no coração de um dia me virar apenas sertão. o mar na minha história adulta de vida eu quero que se torne plural, pela liberdade. tal qual a personagem de clarice, que tomou o mar por dentro e nele caminhou. ela ganhou a liberdade na amplidão cantada por bethânia em “o quereres” de caetano. ela foi pela imensidão do mar e o abraçou na lua cheia.
                tenho certeza de que essa personagem anônima é a própria bethânia.
             eu ainda não aprendi a abraçar o mar na lua cheia, nem fui por sua imensidão ou amplidão. sinto que vou entrar verdadeiramente nesses versos quando começar a nadar no mar. inclusive, meu primo cadu tem nadado no mar de canto grande, em bombinhas, e a qualquer dia vou até lá conversar com ele entre braçadas e respiradas, deslocando a solidão, pelo afeto, no mar.
            experiência também vivida pelo personagem palomar, do meu xará calvino, que pratica sua natação vespertina: "Entra na água, afasta-se da praia, e o reflexo do sol se torna uma espada cintilante na água que do horizonte se prolonga até ele". o mesmo palomar que por vezes para diante do mar e tenta fazer a leitura de uma onda, enfrentando toda a complexidade que essa tarefa implica, para quem sabe poder cantar no mesmo tom que jobim: "agora eu já sei / da onda que se ergueu no mar". e palomar assim age porque "tende a reduzir suas próprias relações com o mundo externo e para defender-se da neurastenia geral procura manter tanto quanto pode suas sensações sob controle".
                o resto é mar, palomar. e é impossível ser feliz sozinho.
            por isso, inclusive, convido a quem teve fôlego de chegar até aqui para juntos nadarmos em mares versados em memória e afeto e melodias.
                bom mergulho a nós:

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

análise i

liberdade requer
a coragem

de se transpor
a solidão

:

todo filhote de baleia
demora a nascer

ítalo puccini