segunda-feira, 9 de setembro de 2013

"uma necessidade é um desejo que enlouqueceu"

faz tempo, já, eu lancei uma daquelas perguntas-cretinas a algumas pessoas, por e-mail: “que personagem você gostaria de ser?”. a pergunta advém do gosto que tenho pelo palomar, personagem homônimo do ítalo, o calvino. e como a preguiça é inerente ao ato da escrita, esse remendo de texto ficou por um bom tempo parado, sem que eu tivesse a mínima vontade de mexer nele. até que encontrei o livro “palomar” à venda, depois de anos procurando-o. e isso ocorreu na livraria cultura, em curitiba, aquele aconchego de lugar dividido em três pisos, muito espaçoso, colorido, repleto de livros que aqui por joinville eu não consigo, e onde os que lá trabalham, sem serem chatos, sorriem e conversam com o cliente, procurando atender a todas as necessidades deste.
então, encontrada a obra, reli-a. ‘treli’, na verdade. um livro belíssimo, escrito com uma sutileza que convida o leitor a ler cada texto e, antes de seguir ao próximo, parar e pensar no que acabou de ler. “palomar” é isto, é um livro no qual não se acelera. em que a leitura é ritmada, é cuidadosa como a escrita, em que um segundo de distração coloca em risco uma frase de rara beleza e ironia.
se eu pudesse ser um personagem, eu seria o palomar. por considerar-nos (a ele e a mim ) semelhantes, porém com salutar diferença. o sr. palomar gosta é do silêncio, eu também; gosta do ato de observar, de conjectuar, de pensar, eu também; mas não de dizer, e aqui eu já me vejo diferente dele. não porque eu seja um falante-contínuo, e sim porque muito escrevo do que observo e penso – e sinto. ele não. e é nisso que recai minha grande admiração por ele. pois o sr. palomar pensa, não diz nada, apenas observa, e leva o leitor a um pensar sem medidas, a um pensar muito provavelmente não pensado, a um estado de consciência ainda não atingido. a um silêncio ainda não experimentado.
e aquela tal pergunta-cretina veio-me a partir de uma reflexão, a de que nem sempre a paixão por um personagem vem associada à vontade de sê-lo. é nisto que reside o cuidado em tal resposta. por vezes, a identificação existe, seja pela semelhança ou pela diferença, o que não significa que queiramos abrir mão de quem somos para sermos outro. edu explicita bem isso: “Veja o caso da Emília do Lobato. Sou apx por ela, mas não queria ser uma boneca, nem viver no sítio do picapau, por mais mágico que fosse. Mas outra criança, a Zazie (de um livro de Raymond Queneau), essa eu gostaria de ser. Por ser tão desbocada e esperta quanto Emília, e pelos amigos e parentes doidíssimos que ela tem em Paris”. o contrário da josi, apaixonada “uma vez por Rosálio, - o homem mais sensível que já vi - em o Voo da Guará Vermelho, da Maria Valéria Rezende”, o que não significa que ela queria sê-lo. a identificação da josi é com outras três personagens: macabéa, da hora da estrela da clarice, um pouco palomar também, “mas assumo todas as características da personagem sem nome em 'Tudo o que você não soube', da Fernanda Young”.
camila pimenta e enzo, ambos de itajaí, responderam e me deixaram ‘boiando’, por não conhecer os personagens citados. e que justificativas as deles! ela: “Eu sou apaixonada pelo João Dias, do livro Aritmética, da Fernanda Yong, e por sinal queria muito ser a América, do mesmo livro... acho toda a história dos dois tão genuína e louca... me arrepio toda.... ai ai ai!!!!”. ele: “Eu gostaria de ser Margaret Schlegel, daquele colosso de livro chamado "Howards End"! Aliás, eu acho que já sou ela.. só que numa trama como aquela é que a gente gira o bombril!”
e o gui contini, para finalizar, foi pelo universo infanto: “um personagem que eu gostaria de ser é o "Mortimer", da trilogia "Mundo de Tinta", da maravilhosa Cornelia Funcke.... Personagem o qual tem o poder da leitura, de retirar ou colocar nos (dos) livros pessoas, personagens, dando vida às palavras e tendo uma leitura estupendamente essencial”. e quem é que não tem esse desejo de, vezemquando, fazer saltar das páginas um personagem? escrever esta croniqueta tem um poucomuito disso, e daí vem o título dela, uma frase do osho. é um desejo-leitor. mas bem pode vir a ser uma necessidade-leitora.

ítalo puccini