Escrever deveria ser sempre um incômodo.
Incomodar, segundo o Novo Dicionário Aurélio, significa, entre outras
coisas, causar incômodo a, importunar, desgostar, irritar.
Escrever deveria ser tudo isso, pois.
Estar incomodado é estar “levemente indisposto, constrangido”, ainda
segundo o dicionário. E todo texto deveria incomodar. Incomodar o escritor e o
leitor. Deixá-los indispostos, constrangidos diante do que se escreve e do que
se lê.
Um incômodo-quase-abjeto, como o sinalizado pelo Tiago Nascimento a mim,
no momento em que fez a leitura de um microconto que eu havia postado no
facebook. Eis o microconto: “abraçou-a bem forte. para que a faca alcançasse o
bebê”. Eis o comentário do Tiago: “ai... e eu comendo um cachorro-quente bem
vermelho lendo isto. chocante”. Ao que eu respondi: “não coma enquanto lê”. E
ele: “foi tão rápido, tão cortante. Parei no meio da mordida”.
A escrita que provoca uma pausa no leitor. É a leitura que faz levantar a
cabeça, proposta pelo Barthes.
Uma das finalidades de todo e qualquer texto, literário ou não, deveria
ser esta. Já afirmara o crítico Umberto Eco, em seus “Seis passeios pelo bosque
da ficção”, que “o texto é uma máquina preguiçosa que espera muita colaboração
da parte do leitor”. E essa colaboração nem sempre deve significar um ato de
concordância. Contudo, não significa que deva se tornar rígida e excessivamente
discordante.
Um texto cumpre com sua finalidade quando propõe um algo a mais para quem
o lê. E para quem o escreve também.
Um algo a mais que reflita num pensar mais elaborado, que signifique um
repensar determinado ponto de vista, ou que jogue luz sobre alguns caminhos de
compreensão ainda não alcançados.
Uma história ideal não existe. Ela
não tem como existir. Porque cada história é muito própria para cada sujeito
que a vivencia: agindo, lendo ou escutando. E por ser muito própria a cada um,
não pode jamais ser a história ideal para todos. Mas que cada um possa ter e
construir sua história ideal.
A minha história ideal não é aquela
que ninguém lê. Isto seriam esboços de histórias. As que ninguém lê. A minha
história ideal seria aquela em que cada um lesse e sentisse a si mesmo dentro
dela. O leitor ideal pode ser aquele que vive o texto. Não aquele que o
interpreta.
Se hoje escrevo, é por ler tantas e tantas coisas maravilhosas (e quantas
ainda por ler!).
Se hoje escrevo, é porque desenvolvi em mim a pretensão de achar que
através de minhas palavras as pessoas também poderiam se sentir tocadas, seja
se encontrando em meus rabiscos, seja desenvolvendo uma antipatia pelos mesmos
(e consequentemente por mim).
Se hoje escrevo, isso se deve ao trabalho de penso inserido nessa
prática. Algo que me alimenta como sujeito. Algo em que acredito que possa
alimentar a outros da mesma forma.
Se hoje escrevo é também por acreditar que esse ato possa ser contagioso.
Escrevo porque dói, e porque essa dor é minha fuga. Escrevo para me
contradizer e porque ainda não encontrei melhor forma de solidão.
Ítalo Puccini
Ítalo Puccini