Vamos a eles: (E vá a eles,
leitor. Não precisa correr atrás destes livros. Apenas chegue a eles, quem
sabe).
Enzo Potel me enviou a primeira
frase do conto “Sem lugar para você, meu amor”, de Eudora Welty, que abre o
livro “The Bride of the Innisfallen and other stories”: “Eles não se conheciam,
assim como não conheciam o lugar em que, lado a lado, estavam sentados para
almoçar – os grupos de amigos se juntaram de uma hora para outra quando alguém
reconheceu outro alguém no Galatoire. Era um domingo de verão – naquelas horas
durante a tarde que parecem desconhecer a existência do tempo em New Orleans”. E
as palavras dele sobre a mesma foram as seguintes: “Eu gosto do peso que têm
aquelas quatro primeiras palavras antes da vírgula; o leitor precisa carregar
aquela noção até o final do conto para entender o quão mágico foi o que esse
homem e essa mulher se propuseram a fazer. E, ainda nesse primeiro parágrafo, a
cidade de New Orleans ganha um tom de fábula, o que vai ser muito importante
para narrar uma experiência que beira quase o nada, o tempo todo, até depois do
fim”.
Amanda
Corrêa, por sua vez, recorreu à Clarice Lispector e o começo de “A paixão
segundo G.H.”: “– estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender.
Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o
que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa
desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu. Aconteceu-me
alguma coisa que eu, pelo fato de não a saber como viver, vivi uma outra? A
isso quereria chamar desorganização, e teria a segurança de me aventurar,
porque saberia depois para onde voltar: para a organização anterior. A
isso prefiro chamar desorganização, pois não quero me confirmar
no que vivi – na confirmação de mim eu perderia o mundo como eu o tinha, e
sei que não tenho capacidade para outro”. E o quanto este começo a marcou: “É
quase um clichê falar em Clarice agora, mas essa leitura foi muito intensa para
mim. Discutimos o livro na aula da Taiza e, na mesma noite, eu comecei a ler.
Cara, li num soco. Numa noite eu o devorei. Fiquei tomada por essa leitura
alguns dias”.
Para Clarice também foi Monica
Saraiva, escolhendo o começo de “Água Viva”: “É com uma
alegria tão profunda. É uma tal aleluia. Aleluia, grito eu, aleluia que se
funde com o mais escuro uivo humano da dor de separação mas é grito de
felicidade diabólica. Porque ninguém me prende mais. Continuo com capacidade de
raciocínio – já estudei matemática que é a loucura do raciocínio – mas agora
quero o plasma – quero me alimentar diretamente da placenta. Tenho um pouco de
medo: medo ainda de me entregar pois o próximo instante é o desconhecido. O
próximo instante é feito por mim? ou se faz sozinho? Fazemo-lo juntos com a
respiração. E com uma desenvoltura de toureiro na arena”. E, justificando: “Porque o livro se justifica no primeiro
parágrafo. “Felicidade diabólica” é a pura água viva. É exaltação, é êxtase.
Queima. Alimentar-se da placenta é profano. Faz queimar também, feito o bufar
do tal touro, do qual não há medo”.
E, fechando os começos, por ora,
Eduardo Silveira mandou-me o de “Foi assim”, de “Natalia Ginzburg: "Disse-lhe:
- Diga-me a verdade - e ele disse: - Que verdade? - E desenhava rapidamente
algo no seu livrinho de apontamentos e me mostrou o que era: um trem comprido
com uma densa nuvem de fumaça preta e ele, que se debruçava na janela e acenava
com o lenço. Atirei em seus
olhos”. Dizendo, também recordando um dos começos da croniqueta da semana
passada: “Gosto por vários motivos. Lembrando o começo de 'Bonsai', este revela
logo no começo um dos principais fatos. O maravilhoso é que o fato de saber
como termina não tira nem um pouco nossa curiosidade, porque há outras
perguntas em aberto. Mas gosto principalmente pela beleza: do trem, imagem
sempre bonita, e pelo contraste da paz dele com a raiva dela: por que alguém
que faz um desenho tão amável merece levar um tiro nos olhos?”.
Assim
está feito. Quatro convites aos leitores. E mais quatro ou tantos na semana que
vem.
Ítalo Puccini
Ítalo Puccini