sexta-feira, 27 de julho de 2012

A escrita como tentativa de preservação: de um lugar, de muitas vidas


           
        Eis o que é possível encontrar no filme “Narradores de Javé”, dirigido por Eliane Caffé, vencedor de melhor filme no VII Festival Internacional de Cinema de Punta Del Este (2004) e no 5º Festival de Cinema des 3 Ameriques (2004, Quebec, Canadá). Produção nacional de 2003 que aborda o sumiço da cidade de Javé, a ser submersa pelas águas de uma represa.
            Taí um filme que procuro trabalhar em sala de aula com turmas do Ensino Médio, abordando não somente a desagradável situação da tomada de terras alheias, mas também a importância da escrita, e sua distância para a oralidade. São conversas que transitam pela trama, pela importância que adquirem a memória e a oralidade na história, e pelos caminhos através dos quais o filme nos leva à literatura.
Tudo acontece a partir do drama que enfrentam os moradores de Javé: a instalação de uma usina elétrica no vilarejo vai levá-lo a não mais existir no mapa. E a solução que lhes resta é uma só: registrar por escrito o vilarejo, tornando-o de valor histórico e científico, conforme falam. É preciso contar a história de Indalécio, o fundador de Javé.
Eis, então, o momento em que surge o personagem Antonio Biá, o salvador dos habitantes de Javé, aquele que em anos anteriores fora expulso de lá pelo motivo que agora o trazia de volta: a escrita de histórias. Biá é chamado para escrever a história de Javé, por ser o único ali que sabe escrever (Biá trabalhava na agência dos correios em Javé. Como ninguém fazia uso da escrita e da leitura, ele passou a inventar histórias dos moradores da localidade, como forma de tornar a agência movimentada, e assegurar seu emprego. Justamente por isto foi expulso pelos moradores quando descobriram o que ele inventava). 
No momento em que Biá passa a ouvir as histórias dos moradores de Javé é que passamos nós, telespectadores, a percebermos como a memória oral de cada um privilegia aspectos e detalhes que ninguém conhece, e que jamais serão registrados como de fato aconteceram. Passamos a perceber o quanto a escrita não dá conta daquilo que é da oralidade. E também o quanto toda escrita fica marcada por aquele que a produz, o que nos leva a pensarmos na isenção do historiador no momento de registrar uma história.
Biá vai ouvindo as versões de cada habitante de Javé. Cada um "puxando a sardinha" para o seu lado, apresentando algum detalhe que antes não havia. Como já dizem os ditados, quem conta um conto, aumenta um ponto. E existem sempre três verdades: a minha, a sua, e a que de fato existe. E Biá deixava claro aos moradores: Uma coisa é o fato acontecido. Outra, o fato escrito. E as verdades produzidas pelos moradores do vilarejo são compostas de memória. De uma memória mítica, onde se encontra com a fala. Uma memória que é feita de fala, que é produzida pela narração. 
            Diante disso, algumas pontes que podemos estabelecer com a literatura fazem referência a dois aspectos textuais apresentados pelo teórico Mikhail Bakhtin, a polifonia (as várias vozes de um discurso, uma vez que a coexistência de inúmeros narradores, narrativas e formas de narração compõem uma heterogeneidade discursiva, que é o que observamos no filme, nas várias narrativas que o compõem) e o dialogismo, a partir de uma citação do próprio Bakhtin: "Tudo se reduz ao diálogo. Tudo é meio, o diálogo é o fim. Uma só voz nada termina, nada resolve. Duas vozes são o mínimo de vida". 
            Além disso, importante lembrar das várias leituras que podem e devem ser feitas de uma mesma história. A história de Javé é, na verdade, as histórias de Javé. A história de cada morador é a leitura que cada um deles faz da localidade em que vive, o que prova que não existe uma só maneira de se ler algo, e sim maneiras de se ler. E de se escrever.

Ítalo Puccini

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Tipologia de leitores


‘Tava eu lendo umas coisitas teóricas sobre práticas de leitura e sobre a questão dos professores serem, ou não, sujeitos-leitores, quando me deparei com um texto em que a autora, com um embasamento teórico bem apresentável, indica uma “tipologia de leitores”, na qual ela classifica os professores participantes da pesquisa dela em “grupos de leitores”. Algo bem interessante de se pensar, nos tipos de leitores que somos. Porém, com a relevância de não nos limitarmos a essas categorias, uma vez que a leitura – e consequentemente os leitores – não pode ser pensada somente dentro de categorias.
Identifiquei-me em três das tipologias apresentadas pela autora (inclusive, preciso fazer referência a ela, ora pois: Ângela da Rocha Rolla, Doutora em Teoria Literária/PUCRS). E importante ressaltar que as descrições dessas tipologias apresentam como fundamento as vozes dos professores por ela entrevistados para a pesquisa.
Vamos lá:
1. Leitor compulsivo: É eclético: da história em quadrinhos ao último lançamento de um escritor valorizado pela crítica, tudo lhe desperta a curiosidade. Lê o que lhe cai nas mãos, mas mostra um espírito crítico em relação aos textos, emitindo opiniões a respeito de autores e obras. Tem livro espalhado por toda a casa, a leitura está em primeiro plano: são pilhas de livros que compra ou pede emprestado. Adora frequentar bibliotecas ou tem a sua própria. Lê de tudo a toda hora, lê no ônibus, no banheiro, lê na hora de dormir. Qualquer minuto livre que tem, ocupa nessa atividade. Às vezes até esquece que tem corpo, embriaga-se com a leitura.
(Já fui mais compulsivo. Mas a essência não se perde).
2. Leitor profissional: Não é um leitor ingênuo, ele lê para analisar estilos, buscando o valor estético das obras. A leitura literária e a produção de textos fazem parte de seu cotidiano profissional, são o instrumento do seu trabalho. Suas leituras constituem-se de obras técnicas sobre teoria literária e obras literárias de autores clássicos e modernos. Frequenta livrarias e círculos de leitores, tem um apreço especial por livros, que adquire com frequência, na medida de suas condições financeiras. Lê ficção para fundamentar as atividades voltadas ao ensino de literatura, oficinas de leitura, redação de artigos, projetos de pesquisa e também para seu lazer. A produção de textos é exigência do trabalho profissional, que apresenta oportunidades de realização de palestras, conferências, defesas de tese, publicações, etc. Faz leituras informativas, técnicas e literárias. É um iniciado em estudos literários. A leitura é prioritária na sua vida, constituindo-se não em trabalho penoso, mas em atividade realizadas com prazer.
3. Leitor escolar: Lê com um objetivo principal: indicar obras literárias para os alunos. Há uma preocupação com o trabalho didático, que absorve toda a sua disponibilidade para a leitura. Esta se reveste de obrigatoriedade, com a finalidade única de desenvolver seu trabalho docente, que consiste na análise e no comentário das obras solicitadas, cujo assunto não diz respeito aos seus interesses, nem ao seu gosto literário, principalmente quando se trata de literatura infantojuvenil. Por força da necessidade imediata e do pouco tempo disponível, realiza leituras rápidas, sem fruição. As leituras escolares não são consideradas leituras de lazer, para as quais na há espaço no cotidiano desse leitor.
Há, ainda:
Leitor Diletante: É um leitor ingênuo, que lê sem conhecimento prévio, por puro prazer. Tem um livro de ficção na cabeceira. Lê obras de autores consagrados ou popularmente conhecidos. Prefere literatura de consumo fácil: histórias de amor e de suspense, enredos de folhetim. Os critérios de escolha para ler são aleatórios, ao sabor do momento.
Leitor apressado: Caracteriza-se por ser um sujeito dinâmico, muito ocupado com o trabalho, que lhe deixe poucas horas diárias de lazer. Lê para se informar dos acontecimentos recentes e para se atualizar em assuntos diversos como política, religião, pedagogia, psicologia, espiritismo, etc. Não lê ficção ou lê eventualmente.
Leitor superficial: Lê eventualmente, sem privilegiar um tipo de leitura. Não manifesta preocupação com o valor estético das obras, nem mesmo as avalia. Escolhe os textos ao acaso, o que lhe cai nas mãos, geralmente a literatura de massa ou gêneros já consagrados, como o romance romântico. Não costuma realizar leituras para aprimoramento profissional, preferindo as de caráter utilitário e informativo.
       Leitor técnico: Faz leituras para estudo do trabalho docente ou de algum curso de especialização que está realizando. São leituras técnicas que versam sobre assuntos relativos às disciplinas que está cursando como aluno ou para aprofundamento teórico no campo profissional. As leituras informativas se reduzem a uma rápida olhada no jornal do dia, sem espaço para as reportagens de revistas. A leitura literária está ausente, raramente lê ficção, porque a leitura científica lhe toma todo o tempo disponível.
Não-leitor: Com uma história de vida distante dos livros, sem valorização da família na primeira infância, o não-leitor apresenta um comportamento avesso à leitura literária. Tem um contato esporádico com periódicos, que lê para se informar dos acontecimentos recentes e não consegue acompanhar um texto ficcional até o fim. Não dispõe de uma biblioteca, estando a leitura como lazer distante do seu cotidiano, que também dispensa hábitos culturais como cinema, teatro, músicas, esporte e outros.
E eu lanço aqui a proposta de que os leitores desta croniqueta possam registrar com quais tipologias se identificam, em que tipos de leitores acreditam que se encaixam. Enfim, que possamos pensar um pouco nos leitores que somos, ou que ainda podemos ser.

Ítalo Puccini