só o amor escapa
por entre os dedos da ilusão, ledoux, solto animal que a vida refugiou. feito
folhas de outono caindo no inverno frio. em câmera lenta. onde estiver um bem
te quer, quem mal te quer despetalou, em lentidão e sutileza, por entre afetos
que te infestam e afetam desde feto. o amor que vai se libertar: seio do afeto
na fúria de se alimentar. força escondida num simples gesto, modus operandis de
se agir e se pensar, a abrir teus olhos todas as manhãs com a ponta dos dedos,
pois, se não houver amor, não haverá humildade, clareza e perdão, o perdão aos
atrasos diários e às imperfeições em dias de amargar e de chuvas torrenciais. tudo
em tua retina retinta, ledoux, pintura detalhista em grande escala, abrigo que
te convém nesse destino. vento que vem leve, vento que vem furacão e delírio. vento
que há de te levar, força da tua voz e verbo. feito o sol, bola de bilhar que
brilha nas águas de espelho de teu olhar e se acaba na fruta do brincar:
desatino, abraço, amasso e estrepolia. a beleza nos olhos de jabuticaba e a
certeza do fim do trabalho de mais um dia. o que querer mais dessa vida, não é
mesmo, ledoux? tu que, com esse novo trabalho, mostra-nos como tuas músicas são
a singeleza exibida na moldura da alma, a flor da esperança e do encontro.
ítalo puccini
edu me convidou a
escrever esta orelha quando em mesa de bar comemorávamos meu aniversário, duas
ocorrências que beiram o nonsense mas dialogam com a realidade, logo, combinam
com ele e este novo livro.
depois de os primeiros
escritos alçarem voos em leves calopsitas líricas e irônicas, eduardo silveira apresenta
a nós, leitores, versos-poemas densos e maduros, agora conduzidos por um animal
de hábitos predominantemente terrestres e mais pesado. isto porque os textos
deste “tamanduá/bandeiras” versam, de repente, sobre personagens que comem
tijolos e políticos a dormirem de sapatos, ou seja, é necessário ao animal da
vez saber suportar as desgraças históricas, o enfado do trabalho diário e
inclusive as notícias bonitas.
com este livro, edu
nos convida a aceitarmos a imaginação como parte do mundo, de maneira próxima à
que ele consegue, ao carregar na cabeça os próprios mapas: políticos,
cotidianos, líricos e satíricos. e é pelo viés literário o convite de edu para aturarmos
por exemplo a burrice e aquele-que-não-pode-ser-nomeado, sinônimos que, sem
metáforas, são impossíveis de tolerarmos.
o que edu quer com
estes poemas, também, é encontrar um lugar do caralho pra amar o amor possível –
na faixa de gaza, nas repartições públicas, num beliche – e, para isso, ele extrai
da linguagem o prazer e milita a favor do cerne da carne e contrário aos toscos
bons costumes. depois, ainda, edu descansa a língua da linguagem e escolhe
palavras com cuidado, capacidade restrita a poucos poetas, o que configura a
singularidade desse escritor por quem sou amor da cabeça aos pés.
ítalo puccini