segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Uma leitura que leva à outra que leva à


              Passei as últimas duas semanas lendo e rabiscando um livro que Rosane me emprestou, “Como Proust pode mudar sua vida”, do suíço Alain de Botton – lendo e rabiscando porque ler pra mim é interação, é diálogo entre livro e leitor, e minha forma de dialogar, nesse caso, é com anotações de canto de página, coisa que Rosane faz também. Acabam por ser no mínimo duas leituras: a do conteúdo do livro e a das anotações do leitor do mesmo.
            (Quando Rosane me empresta um livro é porque a coisa “vai bater”, expressão que utilizo para fazer referência a um encantamento que há entre mim e o livro. Foi assim com “Uma história da leitura”, do Alberto Manguel, livro que se tornou meu guru nos recentes anos de graduação e de produção acadêmica, e foi assim com “As intermitências da morte”, livro que me levou a conhecer a escrita do José Saramago, por quem meu encantamento só aumentou a cada livro dele que li).
            “Como Proust pode mudar sua vida” me assustou tão logo o peguei em mãos. Um susto que vem do meu preconceito com livros de autoajuda. Porém, senti que apenas o título soava estranho, que o conteúdo não tenderia a isto. E não tende mesmo, apesar dos apelos comerciais por ele apresentados, observação atenta do Enzo, que leu o livro após um e-mail que enviei a ele, com dois trechos do mesmo. (É de papo em papo, de trecho em trecho, que a leitura vai se disseminando porraí).
            São nove capítulos nos quais o autor propõe reflexões sobre a vida: relações sociais, amor, sofrimento, leitura - todos a partir da leitura de “Em busca do tempo perdido”, obra-prima de Proust.
            Fiz a leitura dos capítulos de modo bem aleatório. Comecei pelo último, depois fui para o segundo, os dois que mais me interessavam: “Como abandonar os livros” e “Como ler para si mesmo”, uma vez que pensar a leitura e suas possibilidades de práticas e estudos me é algo recorrente.
            Assim, deixei por último o capítulo três, “Como sofrer com sucesso”, e muito nele me incomodou. Proust tinha um modo de viver que tendia ao sofrer, às dores físicas e emocionais. Havia nele a crença de que a felicidade nos torna ignorantes e de que é o sofrer que nos leva ao pensar, ao refletir sobre a vida, logo, a uma sensação de maior controle sobre si mesmo: "De fato, na visão de Proust, só aprendemos realmente alguma coisa quando há um problema, quando sofremos, quando algo não sai como o esperado".
            Não me identifico com este pensar. Há drama em excesso, assim vejo. Tá certo que aprendemos com a dor, com o sofrimento. Que isso muito nos engrandece. Mas daí a cultuar um estado de espírito assim? Isto não me cabe. Da mesma forma que não compactuo com a ideia de que é o sofrer que leva à escrita. É mais um exemplo de dramalhão típico de quem não saiu da infância e quer chamar a atenção com sua própria dor - ou cara de. Parece-me mais falta de equilíbrio esta romantização da vida e da escrita. Prefiro um olhar para o viver que entenda cada ação ao seu redor como uma parte de um aprendizado contínuo, para o qual é necessário algum equilíbrio, um meio que não penda demais nem para uma euforia excessiva, nem para tal romantização do sofrer.            
          Proust pode até ter escrito um livro marcante para a literatura mundial - que eu não li e não sei se um dia lerei - mas não me cativa enquanto pessoa. Pelo menos do pouco que conheci atráves do Botton. Quem sabe em outras vidas, né, Proust?

Ítalo Puccini