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(um trecho)
Unidade quem
sabe Pessoa tenha alcançado, mas também o que se vê são três personalidades que
não se complementam em muitos aspectos. O mestre é Caeiro, o Pai, com a
sabedoria e a calma invejadas por seus dois irmãos, a quem dá origem: Ricardo
Reis, um epicurista triste, de tradição clássica, ligado à mitologia pagã, para
quem a emoção podia ser controlada pela razão, e Álvaro de Campos, o mais
ligado à tendência futurista, engenheiro formado, de versos fortes, diretos,
feitos mais na inspiração do que na arte de criação.
Refletindo
o momento da época – a desestruturação do mundo na 1ª Guerra Mundial, a
instabilidade em Portugal pela mudança de regime político, as diferentes formas
de expressão cultural apresentadas pelas vanguardas – Fernando Pessoa
multiplicou-se em diversos heterônimos, destacando-se os três já citados. As
expressões artísticas seguiam o cenário em que se faziam observar.
Fragmentavam-se, espalhavam-se em diferentes e inconstantes formas de
representar o viver, o pensar e o sentir. Pessoa foi o exemplo mais claro.
O
fato é que sua poesia, seus sentimentos, suas idéas e suas vontades de ser –
e, conseqüentemente, de viver – angustiavam-no, como bem sintetizado por Álvaro
de Campos:
Quanto mais
eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas,
Quando mais
personalidades eu tiver,
Quanto mais
intensamente, estridentemente as tiver,
Quanto mais
simultaneamente sentir com todas elas,
Quanto mais
unificadamente diverso, dispersadamente atento,
Estiver,
sentir, viver, for,
Mais
possuirei a existência total do universo,
Mais completo
serei pelo espaço inteiro fora.
(Poesias
de Álvaro de Campos, 1983, p. 187).
Dessa angústia, então, “nasceram”
três personalidades completas, distintas e semelhantes em alguns aspectos, que,
se não conseguiram dar ao poeta a unidade buscada, muito próximo disso
chegaram.
(na íntegra)