quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

um macuco

“é um tinamiforme da família tinamidae. nome de origem tupi-guarani: mogoico-erê. é o maior representante dos tinamídeos na mata atlântica. é espécie cinegética (caçada). seu nome, em latim, é solitarius, ou seja, solitário. atinge até 52 cm e entre 1,5 a 2,0 kg de peso médio. habita a mata atlântica primária, sempre próximo a riachos. sua vocalização principal consiste em um único pio, meio agudo e bem espaçado, sendo o pio do macho mais curto que o da fêmea. as fêmeas são dominantes e territoriais”.
isto segundo a “wikiaves”.
porque um macuco também pode ser um título em um torneio de sinuca familiar. assim: nós nos reuníamos semanalmente para jogarmos sinuca – eu, meu pai, meu irmão fran e o fox (que minha mãe diz ser o filho ruivo que ela nunca teve – minha barba não preenche esta lacuna na vida dela). geralmente aos finais de semana, passávamos cerca de duas a três horas em torno de uma mesa de bilhar, daquelas de inserir a ficha e ouvir o estalo da bola ao ser encaçapada, lá no extinto bar do paludo, em jaraguá do sul, revezando as duplas e, consequentemente, os confrontos. da seguinte forma: todos jogavam com todos e contra todos. eu e o pai versus o fox e o fran. eu e o fox versus o pai e o fran. eu e o fran versus o pai e o fox. assim por cinco vezes, mais ou menos. a cada vitória de uma dupla, marcávamos um ponto para os vencedores. logo, ao término de toda a bagunça giratória, havia um campeão e um lanterna.
pois bem, um dia o pai levou uma lanterna para o bar. e o fox se revoltou com aquilo. uma lanterna pequena, daquelas de 1,99, um singelo símbolo da brincadeira. dessa maneira, o último colocado naquele dia levava a lanterna pra casa e ficava com ela durante toda a semana, até o próximo sábado ou domingo, e, caso o mesmo jogador terminasse três semanas seguidas em último, ficava em definitivo com o objeto simbólico e tinha a obrigatoriedade de trazer uma nova lanterna para o próximo jogo.
as novas lanternas compradas eram mais modernas ao longo dos meses. foi bonito de ver.
e o campeão de cada jogatina? aquele que mais vencesse no rodízio de duplas sagrava-se campeão – quando dois alcançavam o mesmo número de vitórias, jogava-se uma partida individual, uma só, para definir o vencedor da semana. e daí, não é mesmo? bom, e daí que um dia o fox venceu pela quinta vez a brincadeira e disse: agora eu tenho um macuco. e a inveja disseminou-se pelo grupo. porque o ruivo simpático, a cada final de semana, repetia: eu tenho um macuco, seguido por uma risada sarcástica: ha ha. e seria difícil alcançar o tal macuco, afinal, vencer cinco campeonatos assim disputados não era algo que se alcançasse em um mês. eu, por exemplo, ao longo de pouco mais de um ano de diversão, nunca consegui. mas o meu irmão já, ele conquistou a palavra-símbolo-da-destreza-sinucal, e meu pai até hoje não entendeu o tal do macuco, logo, não faz questão dele.
    justamente por isso, por este trauma que carrego comigo, propus retomarmos a brincadeira, nem que eu leve uma década para alcançá-lo, o macuco, este vocábulo cujo significado, para nós, não apresenta relação com a significação formal da palavra – e por isso eu iniciei esta croniqueta com aquela definição. um macuco, para nós, é muito mais do que um troféu, do que um valor em dinheiro, do que uma foto de campeão ou um pássaro. um macuco é uma frase: eu tenho um macuco. uma frase que especifica o lugar ocupado por cada um de nós quatro ao redor daquela mesa de sinuca: o fox foi quem primeiro conquistou um macuco. o fran em seguida. eu e o pai, portanto, somos os reservas. mesmo que eu nunca tenha levado uma lanterna pra casa, mesmo que o fran e o fox tenham acumulado lanternas em casa. eles têm um macuco. ponto. e eu tenho uma inveja.

ítalo puccini