sábado, 30 de abril de 2022

histórias ainda não escritas

são poucas as pessoas a quem dou atenção por interesse próprio. de modo que me assusto quando alguém por exemplo pergunta pela minha mãe, assim, de repente, sem antes recorrer às indagações protocolares sobre a instabilidade do tempo ou a corrupção no país. eu inclusive nunca vejo o que diz a meteorologia e não me interesso por política. não assisto à televisão, não tenho assinatura de nenhum meio de comunicação. mas quando alguém pergunta pela minha mãe eu sinto vontade de ouvir mais, de entender o motivo pelo qual a pessoa se encorajou a perguntar pela minha mãe. contudo, emudeço. 


não gosto disso, de ter intimidade com alguém. sinto-me íntima de coisas, de objetos, de outros seres. sinto-me íntima de um poema de saramago: 
 
No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,
 
Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na razia que mais desce, mais esconde,
 
No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.
 
mas não me sinto íntima de pessoas. 
 
ítalo puccini