segunda-feira, 23 de setembro de 2019

na cruz

silenciei escuros
em quartos de dor

cruzei pernas, braços e dedos
em ritual 
desconhecido
cruzei espinhos no peito

cruzaram-me o olhar
prenderam-me numa cruz
estado de coma

entre poros
clamo por libertação

ítalo puccini

domingo, 15 de setembro de 2019

gramática

dentro do lhe 
há 
uma preposição

ítalo puccini


segunda-feira, 9 de setembro de 2019

o alento no excesso


     o cristovão tezza também é bom nisso de ser cronista. e me utilizo aqui do também porque como romancista ele já me ganhou. e cronicando com ele – ou seja, lendo suas crônicas reunidas no livro “um operário em férias” – deparei-me com um parágrafo no qual me detive: “Não é a crise do mundo que faz nascer romancistas e poetas. Eles escrevem porque são eles mesmos que estão em crise – um poderoso sentimento de inadequação, que é a alma da arte, sopra-lhes a primeira palavra, com a qual eles tentam redesenhar o mundo”. e eu sinto assim a minha tentativa de escrita, pelo viés da ressignificação do que é vivido enquanto crise existencial.
     das minhas sessões de psicoterapia psicanalítica, por exemplo, sempre retorno e escrevo breves frases sobre aquilo de que falei, tornando mais compreensíveis e assimiláveis as angústias verbalizadas no set terapêutico. e os três anos nos quais me afastei da escrita sulcaram em mim marcas indeléveis, afagadas momentaneamente pela verborragia textual que me move nos últimos meses. e assim refaço o significado da palavra vazio e compreendo minha escolha pela arte, na adolescência, como um movimento para aplacar essa característica inerente à condição humana.
     porque eu acredito na existência do vazio e de uma veia artística em cada um de nós, sem significar consciência a respeito dela, muito menos conhecimento sobre como explorá-la. pois há um medo oriundo da arte – de quem a faz e de quem a recebe. um medo provocado pela arte por simplesmente existirmos, nós e ela. que talvez não seja medo e sim estranhamento, porque o novo assusta, sabemos. contudo, tememos mas não a largamos; é o canto do pai do mato: atrai-nos para comer nosso coração. e não há maldade nisso. a escolha é nossa de ir até ela ou de recebê-la quando rompe à nossa frente. e nos incomoda, muito. tira-nos o chão, desestrutura-nos certezas, ameaça-nos crenças. um rebuliço. 
     ao mesmo tempo em que é essa coisa tão bonita cantada pela elis em “essa mulher”: ser cantora, ser artista. talvez uma eterna inadequação sentida pelo sujeito diariamente a cada interatividade social da qual dificilmente se escapa por mais que se tente. é arte que brota nos poros a partir de cada detalhe do que se vive, momentos nos quais se entende a felicidade enquanto porvir e as cicatrizes marcas intransferíveis, constituíntes da individualidade de cada um. o elefante que vive dentro de mim, por exemplo, sou eu mesmo, e se comunica pela palavra e por modos de linguagem. 
     minha arte, pois, é a escrita, e escrever, para mim, é dar a cara a tapa. assim me sinto e por isso recorro a ela: pela crise, pelo vazio, pela angústia, por sentir-me inadequado, desafinado com o mundo, com as pessoas, ainda que no meu peito também bata um coração. escrever é para mim consertá-lo. porque é importante enfiar o dedo na ferida e deixá-la sangrar até curar, para dela brotar o que existe quiçá no inconsciente. e essa escrita pseudorracional esconde aquilo que dói e esconde o motivo de ela existir: volteia, permeia, não aprofunda sem que nos permitamos a. cutuca e fere, enquanto elemento de cura, se assim a quisermos. 
     às vezes, penso, é no excesso que encontramos alento. quando a sensação de vazio é tanta que corremos a preenchê-la: por medo, por fuga, por fraqueza. ser humano é isto. e como é bom dizer que não está tudo bem, que não mais é possível ouvir gonzaguinha, por exemplo, sem que o corpo rasgue por dentro – palavra por palavra eis aqui uma pessoa se entregando. pela escrita.

ítalo puccini

sábado, 7 de setembro de 2019

quadra

são perigosos os dias de feriado
de repente você descobre que é o momento
de se separar
ou de iniciar uma faxina

ítalo puccini