quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

rota de fuga

entrevistei o rubens da cunha. na correria da escrita final da sua dissertação de mestrado, ele atendeu ao meu pedido e respondeu, por e-mail, as perguntas abaixo.
foi rubens quem me apresentou aos blogs. é muito culpa dele a existência do um-sentir. talvez ele não saiba disso. passa a saber agora. porque sempre que me pedem para indicar um blog só, aquele que para mim é o melhor, que mais marcou, eu cito o casa de paragens, porque desde a primeira vez que eu estive por lá, e até hoje, sempre quando lá estou, deixo de ser eu mesmo e entro em outro plano espaço-temporal.
descubram um pouco do leitor/escritor/oficinador que é o poeta/cronista rubens da cunha.

Que tipos de livros você gosta de ler?
Eu gosto de ler tudo, é quase um ato involuntário. Está escrito, eu estou lendo. Mas a preferência, claro, vai para os livros de literatura, sobretudo, poesia e prosa que tenham algum elemento de ruptura com a linguagem, algo que vá além da história, pura e simples.

Com que frequência você lê livros?
O tempo todo. Agora por causa do mestrado estou mais focado em livros teóricos, de filosofia, ensaios críticos, mas, de vez em quando, retomo à poesia para não esquecer do que sou feito.

Cite alguns autores e alguns livros favoritos? E explique por que para você são favoritos?
O meu critério de preferência, ou de favoritismo, é imaginar que livro eu levaria para uma ilha deserta e ele supriria minhas necessidades por tempo indeterminado. Alguns autores supririam isso facilmente: Guimarães Rosa, Fernando Pessoa, Jorge de Lima, Lautreamont, T.S. Eliot, Mia Couto, Julio Cortázar, C. Ronald. Adolfo Boos Jr. Kafka.
Mas, hoje, se fosse me dado a trágica missão de escolher um livro pra fugir comigo, eu daria um jeito de escolher um dos quatro que me parecem essenciais:
Poesia – Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão de Hilda Hilst
Contos – Laços de Família – de Clarice Lispector
Romance – Avalovara – de Osman Lins
Filosofia / Ensaio – A experiência interior – de Georges Bataille

dá para se viver um bom tempo apenas com um desses livros.

Agora diz um livro que deixou você assim, sem respirar por um bom tempo? E um que você tenha achado uma bela porcaria?
O que me deixou sem respirar foi qualquer um desses citados na pergunta anterior. Ultimamente ando sem respirar diante da filosofia poética, ou da poesia filosófica de Emil Cioran. Quanto à bela porcaria, há muitos anos eu exerço um dos direitos do leitor pregados por Daniel Pennac que é o de desistir quando a coisa não vai bem. Então, já nem lembro do último livro que eu li até o final e que eu não tenha gostado. A exceção fica por conta de alguns livros teóricos que eu tenho que ler, melhor, tenho que enfrentar mesmo, como se fosse uma luta.

Em que lugares vocês costuma ler? E qual é o seu lugar preferido de leitura?
Leio em casa, no ônibus, na fila do banco, qualquer lugar é lugar de leitura.

Você costuma comprar muitos livros? Empresta-os de bibliotecas? Tem o costume de emprestar seus livros a alguém?
Costumo comprar livros em sebos. Dei uma maneirada agora, pois estava comprando mais livros do que minha capacidade de leitura. Empresto de biblioteca quando o livro não é fácil de encontrar ou está muito caro. Empresto livros sem problema, inclusive se alguém souber para quem eu emprestei um dos meus livros fundamentais: Ascese – os salvadores de Deus, do Nikkos Kazantzakis, é favor me avisar, pois eu não tenho a mínima ideia para quem foi, e nunca mais vi o livro.

Quem é o Rubens da Cunha enquanto leitor?
Um sujeito curioso e que se irrita quando o interrompem durante a leitura

Como você incorporou a prática da leitura? Alguém incentivou, teve um fato marcante?
Foi meio natural, apesar de eu não vir de uma família leitora. Comecei a ler na escola, os livros que estavam por lá e nunca mais parei. O incentivo, acho que veio mesmo da minha vida de menino solitário que precisava de alguma rota de fuga.

Desde quando você é blogueiro? O que o blog representa na sua formação leitora e escritora?
Tenho blog desde 2005. Antes, eu era mais atento, lia os outros blogs, passeava mais por esse universo, e percebia, por exemplo, que a poesia portuguesa contemporânea me diz muito mais do que a brasileira. Hoje, por causa do mestrado, estou mais distanciado, mas gosto dessa ferramenta, acho que tem a cara do futuro, é a democratização, o espaço onde o escritor pode fugir da ditadura do sistema literário, e também do risco de publicar um livro sem estar pronto ainda como escritor. Aconselho muito a adolescentes abrirem um blog no lugar de quererem publicar um livro.

Quer falar um pouco também sobre o que a escrita significa para você?
Escrevo porque foi a forma que eu consegui desenvolver para me expressar artisticamente, e até para sublimar minha inveja dos cineastas e dos músicos. Hoje, a escrita é algo que me fascina, me empolga e mantém em mim a curiosidade. O bom é que a escrita está intimamente ligada com a leitura. Facilita bastante a vida...

Lembro-me de que o conheci participando de uma oficina que você deu na faculdade, há uns anos já. Como é lidar com oficinas de escrita? Como é lidar com esse tipo de público que vem para “aprender a escrever”, digamos assim (talvez até alguns para “pegar dicas”). Enfim, podes falar também sobre as oficinas de escrita e de leitura, tanto as que você coordena, quando as de que participa?
Bom, eu sou partidário da ideia que atribuem a Lautreamont: a poesia deve ser feita por todos. Gosto de ministrar oficinas porque posso transmitir aos outros um pouco da minha paixão pela escrita. Eu não ensino a escrever, mas repasso alguma técnica, uma forma diferenciada de manusear o instrumento, o que o poeta vai produzir com isso, aí depende de fatores que uma oficina não dá conta: leitura, sensibilidade, imaginação. De maneira geral, público responde bem as minhas interpelações. Quanto às últimas oficinas que eu participei, senti falta de um olhar mais acurado, mais direcionado ao texto, por parte dos oficinantes. É algo que eu faço, cada um escreve e lê seu texto e eu opino diretamente sobre o texto, apontando caminhos, possibilidades, questionando o autor para que ele visione aquilo por outro ângulo. Queria muito que fizessem isso comigo, mas não rolou, os oficinantes não usavam essa técnica. Outra coisa também é que quando participo tenho que me segurar muito para não palpitar, não bancar o assessor de quem tá ministrando a oficina.

Deixa uma frase de (d)efeito aí, sobre leitura, escrita, livros, afins...
Ler, assim como viver, é difícil, mas absolutamente necessário.