sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Chega de terapiar


            Mas não é bem assim.
            Recebi alta na terapia. Depois de quinze meses. Esse lance de que a vida é feita de ciclos é um dos baitas clichês. Escrevi há uns meses sobre o terapiar e também sobre os começos que nascem porque têm um fim. Mas o meu na terapia ainda não chegou – o fim. Oficializada a alta, entrei em um combinado com Eliana para que continuássemos os papos quinzenais, por nos fazerem muito bem, por serem prazerosos e para sentirmos um novo modo de terapiar.
            Tal como a vida, é feita de fases uma terapia. No meu caso, por exemplo, a fase inicial foi de “vamô ver no que vai dar isso”. Eu era um verdadeiro descrente da arte da conversa mediada. Ao ouvir frases como as que hoje eu digo – de que todos deveriam uma vez na vida fazer terapia – eu largava um sonoro “tsss”, acompanhado de um olhar ao mesmo tempo esnobe e desconfiado (quase que sinônimos, neste caso). Cheguei ao ponto de iniciar os primeiros papos dizendo estar lá para ver no que ia dar. E deu muito caldo.
            Os primeiros seis meses foram intensos. O momento das quebras. Às vezes, mais de duas sessões por dia, mais de um dia por semana. É muito louca a consciência que se vai desenvolvendo de si mesmo. Um misto de espanto com uma atitude repulsiva, mas, no fundo, acolhedora. Afinal, como abrir mão daquela luz que você visualiza como o caminho para a tranquilidade almejada? Porém, para alcançar esta luz – mais ainda: para aceitá-la e assumi-la – é preciso um tanto de coragem que a gente não sabe que tem até que faz uso de.
Fazer terapia é dar novos significados aos clichês. É torná-los seus. É trazer o mundo pra si e devolver ao mundo um ‘si’ diferente. Mais sincero e respeitoso.
Os seis meses seguintes foram de reconstrução. De levantar-se e novamente cair. De colar uns cacos e novamente se deixar quebrar. Como diz o Diogo Mainardi em “A queda”, seu livro mais recente, “saber cair tem muito mais valor que saber caminhar”. E nisso de cair está implícito o olhar a si mesmo no chão. O olhar os cacos diante de si. Um espelho perde grande significado depois que se faz terapia.
Terapiar é movimento de fora pra dentro e vice-versa. É pegar os elementos externos, aquilo para onde a gente aponta o dedo e sobre os quais jogamos as culpas do que acontece conosco, e visualizar em cada um deles o tanto que há de si mesmo. Isso do mundo ser um espelho do que trazemos dentro de nós não é só frase de efeito, não. Na terapia isso é passível de percepção. Se você se dispõe a. É preciso querer se quebrar. E, depois, completamente fragilizado, ir juntando os cacos e remodelando não um novo ser, mas sim um ser que sempre esteve presente, apenas não visível. Jáhavia escrito e repito: Terapiar é o caminho de maior respeito para consigo mesmo. E se respeitar é a base mais sólida que alguém pode ter.
Então que os últimos três meses foram de dar cor e forma e adereços aos tijolinhos colocados nos doze anteriores. Foi momento de encarar novamente aquilo que antes assustava e dos quais se fugia. E agora não mais, uma vez que o quê da vida está cá dentro. Daí que se deparar com uma fala assim da Marisa Monte é oportunidade de fechar esta croniqueta: "Aprendi que, quando falam de mim, fãs e desafetos estão falando de si mesmos, do modo como encaram as relações, os problemas, os sonhos. sirvo apenas de pretexto".
Porque é aprendizado terapêutico: o tédio não está na ausência do que fazer. Está num cansaço interno que a gente projeta sobre algo.

Ítalo Puccini