Mas
não é bem assim.
Recebi
alta na terapia. Depois de quinze meses. Esse lance de que a vida é feita de
ciclos é um dos baitas clichês. Escrevi há uns meses sobre o terapiar e também
sobre os começos que nascem porque têm um fim. Mas o meu na terapia ainda não
chegou – o fim. Oficializada a alta, entrei em um combinado com Eliana para que
continuássemos os papos quinzenais, por nos fazerem muito bem, por serem
prazerosos e para sentirmos um novo modo de terapiar.
Tal
como a vida, é feita de fases uma terapia. No meu caso, por exemplo, a fase
inicial foi de “vamô ver no que vai dar isso”. Eu era um verdadeiro descrente
da arte da conversa mediada. Ao ouvir frases como as que hoje eu digo – de que
todos deveriam uma vez na vida fazer terapia – eu largava um sonoro “tsss”,
acompanhado de um olhar ao mesmo tempo esnobe e desconfiado (quase que
sinônimos, neste caso). Cheguei ao ponto de iniciar os primeiros papos dizendo
estar lá para ver no que ia dar. E deu muito caldo.
Os
primeiros seis meses foram intensos. O momento das quebras. Às vezes, mais de
duas sessões por dia, mais de um dia por semana. É muito louca a consciência
que se vai desenvolvendo de si mesmo. Um misto de espanto com uma atitude
repulsiva, mas, no fundo, acolhedora. Afinal, como abrir mão daquela luz que
você visualiza como o caminho para a tranquilidade almejada? Porém, para
alcançar esta luz – mais ainda: para aceitá-la e assumi-la – é preciso um tanto
de coragem que a gente não sabe que tem até que faz uso de.
Fazer terapia é dar
novos significados aos clichês. É torná-los seus. É trazer o mundo pra si e
devolver ao mundo um ‘si’ diferente. Mais sincero e respeitoso.
Os seis meses seguintes
foram de reconstrução. De levantar-se e novamente cair. De colar uns cacos e
novamente se deixar quebrar. Como diz o Diogo Mainardi em “A queda”, seu livro
mais recente, “saber cair tem muito mais valor que saber caminhar”. E nisso de
cair está implícito o olhar a si mesmo no chão. O olhar os cacos diante de si.
Um espelho perde grande significado depois que se faz terapia.
Terapiar é movimento de
fora pra dentro e vice-versa. É pegar os elementos externos, aquilo para onde a
gente aponta o dedo e sobre os quais jogamos as culpas do que acontece conosco,
e visualizar em cada um deles o tanto que há de si mesmo. Isso do mundo ser um
espelho do que trazemos dentro de nós não é só frase de efeito, não. Na terapia
isso é passível de percepção. Se você se dispõe a. É preciso querer se quebrar.
E, depois, completamente fragilizado, ir juntando os cacos e remodelando não um
novo ser, mas sim um ser que sempre esteve presente, apenas não visível. Jáhavia escrito e repito: Terapiar é o caminho de maior respeito para consigo
mesmo. E se respeitar é a base mais sólida que alguém pode ter.
Então que os últimos
três meses foram de dar cor e forma e adereços aos tijolinhos colocados nos
doze anteriores. Foi momento de encarar novamente aquilo que antes assustava e
dos quais se fugia. E agora não mais, uma vez que o quê da vida está cá dentro.
Daí que se deparar com uma fala assim da Marisa Monte é oportunidade de fechar
esta croniqueta: "Aprendi que, quando falam
de mim, fãs e desafetos estão falando de si mesmos, do modo como encaram as
relações, os problemas, os sonhos. sirvo apenas de pretexto".
Porque
é aprendizado terapêutico: o tédio não está na ausência do que fazer. Está num
cansaço interno que a gente projeta sobre algo.
Ítalo Puccini
Ítalo Puccini