sexta-feira, 4 de junho de 2010

o poema que rasga



     recebi do cláudio b. carlos (o “cc”), há um tempinho já, novo livro dele: “lírica fedentina”. um livro, não. um poema-livro, conforme consta na capa. novo livro, não. e sim segunda edição deste livro publicado primeiramente em formato e-book.
     não é o primeiro livro que cc faz chegar até mim, não. são vários já. e do que mais gosto nos livrinhos dele, é do fato de serem quase todos produzidos artesanalmente. à mão mesmo. na cara dura, como diz o ditado.
     conheci a escrita deste poeta e radialista gaúcho por meio do universo da blogsfera. de blog em blog, vezemquando deparamo-nos com escritos maravilhosos que merecem leitura e comentários. o blog balaio de letras merece isto.
     inclusive, é por meio do blog que cc propõe movimentos de escrita e de leitura interessantíssimos. ele consegue explorar muito bem toda essa tecnologia que nos amarra constantemente. citando dois exemplos, livros em formato e-book, e leituras em voz alta, postadas como vídeo. tanto que ele expandiu seu “balaio”. criou agora o balaio de letras 2, justamente para apresentar a leitura em práticas pouco pensadas. o que eu acho ótimo. um explorar das nossas sensações leitoras.
     pois a escrita de cc também apresenta características que, se não são inovadoras ao extremo, são pouco usuais de encontrarmos em meio a tantos livros-comuns publicados dia sim, outro também. este “lírica fedentina”, por exemplo, é de fato um poema-livro. da página 3 à página 46, um longuíssimo poema. uma disputa por pontos com o leitor, na qual, por alguns momentos, o livro desfere cruzados sensacionais: “um querendo o cu do outro / viver é concorrer / e numa pronúncia indefectível / em alto e bom som / prosódia: / - desculpe-me cavalheiro / se lhe dei as costas / enquanto fodia-me a bunda! / como dizem os franceses: c’est l avie”.
     este novo livro do cc me levou a alguns outros dele que tenho cá comigo. ao “liberdade vigiada & outros pequenos poemas que gritam”: “pra / minha fome / a etiqueta de teu prato raso / com porções minimalistas”; ao “temporais atemporais tempo temporão”: “o que estraga / o ambiente familiar / é a família”; ao “desnascer do nada”: “carne humana tem gosto / de sobrevivência”; e à “pedra da realidade”: “para sonhos de papel / o peso / da pedra da realidade”.
     todos livrinhos artesanais com muita poesia e poemas viscerais. mas há também dois livros de narrativas curtas, publicados pela editora “maneco”, de caxias do sul/rs. o primeiro deles se chama “um arado rasgando a carne”: “tenho a garganta sufocada por palavras e palavras e palavras e palavras e palavras que da minha boca como que costuradas não são não caem como o cuspe cai como os dentes podres caem (...) não sei nominar o que sinto que nome se dá a um arado rasgando a carne?”; e o segundo é “o uniforme”: “descobri que humildade demais é defeito, quando, aos doze ou treze anos de idade, ao receber o envelope com o primeiro salário, agradeci efusivamente ao patrão, que riu de mim”.
     são recortes mínimos dos livros do cc. da forma insinuante como ele escreve. do modo com que ele propõe diferentes leituras para palavras já gastas, para maneiras de se ler que extrapolem o contato do leitor com o livro. uma leitura mais física, eu diria, se que é possível entender isto.
     mas poesia não é muito pra se entender, não, né, cc? tá mais para ser devidamente explorada por escritores e leitores. que assim continuemos a fazer, pois então.

ítalo puccini