domingo, 30 de junho de 2019

pseudodadaísta

de que palavra você tem medo
eu perguntei

um enfrentamento
gerador de ansiedade
e dicotomias
eu sei
a partir do qual recebi reprovação 
pressuponho
emojis pensativos
e também me indagaram o porquê da pergunta
e qual a minha resposta
a ela

abro aposto
para reconhecer ciência de que
o medo
não reside na palavra em si
pois sim
quando há
é no significado
conferido a ela
a partir de vivências
e veredas leitoras
ou não

inclusive
de véspera 
eu reconheci minha pergunta
invasiva 
de modo que aceitei
quem me a devolveu
aos quais eu agora
respondo
temer mesmo
é a palavra vazio

entretanto
transformo a tristeza em poema
decisão de mudança 
e liberdade
e ainda
alheio aos cidadãos de bem
e às suas letargias
hereditárias
e ao bolsonaro
sem procrastinar
em definitivo produzo esse poema
pseudononsense e metalinguístico
ao libertar do aprisionamento 
do cativeiro
e do cárcere 
da doença 
da asfixia 
e da morte

essas palavras temidas

às quais há exceção 
pois para alguns
palavras não causam medo
podiam
mas 
não
enquanto a outros
o medo reside no próprio medo
no fim

e na solidão 

e eu entendo que há
injustiça 
e vergonha 
e fracasso 
nessa clausura de significado
carente de pensão 

e há também
decepção 
no controle
e na gestão 
de palavras
pois assim elas se restringem a
abandono 
e esquecimento

de maneira que
prometo não mais
provocar aquilo
que se escolhe
tornar silêncio
dentro si.

ítalo puccini


domingo, 23 de junho de 2019

palavra vazio

posso viver esperando abril
quando você chegar
em estado de palavra
tornando vento o vazio
o vento que não sabe o que é estar só 

eu que vivia preso à dor
limitado da palavra 
fiz do verão ansiedade
do vazio medo
fino frio de silêncio 

é o não dito entre nós 
paredes pintadas
de doçura e palavra
em vermelho azul e verde

hoje namoro em braços estendidos
o cotidiano em palavra
com o desejo de preencher
o vazio o susto a falta de ar
a cada acordar

fiz de deus carnaval em mim 
matéria de distância e descrença 
alheamento em palavra 
vazio de conforto 
e comoção 

é o não dito entre nós 
paredes pichadas
de doçura e palavra 
em vermelho azul e verde

ítalo puccini

segunda-feira, 10 de junho de 2019

crônica - ou ensaio - à la hatoum


     não conhecia o milton hatoum cronista. deparei-me com o livro “Um solitário à espreita” e o comprei, fazendo vibrar o prazer, pouco comum a mim, de uma compra inesperada. o título, aliás, é muito condizente com o jeito de ser do autor: um sujeito recluso, pouco midiático e de publicações quase raras. autor de apenas cinco romances e um livro de contos: com dois deles, “Relato de um certo Oriente” (1999) e “Cinzas do Norte” (2005) foi vencedor do jabuti de melhor romance; com “Órfãos do Eldorado” (2008), segundo colocado no mesmo prêmio; com “Dois irmãos” (2000), conquistou o terceiro lugar; e “A noite da espera” é o mais recente, lançado em 2017. quatro dos cinco romances são premiadíssimos, no brasil e no mundo, publicados em dezessete países até hoje. 
     a característica da crônica desse escritor amazonense é a de esticá-la um tanto a mais do que costuma ser comum ao gênero. são crônicas-quase-ensaios, nas quais o autor apresenta um fato cotidiano nos primeiros parágrafos para chegar ao, digamos, ponto-chave do texto, e então abordá-lo por mais algumas tantas linhas. isto na maioria das 94 crônicas que compõem o livro, algo que não diminui sua escrita, pelo contrário: apresentar uma unidade no modo como escreve demonstra segurança e a mim, enquanto leitor, muito satisfaz. 
     é dessa maneira que o autor desenvolve, por exemplo, “Liberdade em Caiena”, crônica que me despertou a escrever esta com a qual, até aqui, enrolo o leitor. no começo do seu texto, hatoum aborda a dificuldade que tem de conviver com tantas informações em um ritmo tão frenético de tempo, o que lhe resulta deixar passar a oportunidade de participar de debates, palestras e até encontros entre amigos: “Agora, ao fazer uma faxina na caixa de entrada, notei que havia 122 mensagens não lidas”. desse ponto para chegar ao tema: o convite, recusado pelo autor, por não ver a mensagem em tempo, para ir a caiena, capital da guiana francesa, lugar de muitas lembranças trazidas da infância e de seu avô.
     e o que me conduziu a escrever este texto foi esse modo de vida digamos que desacelerado do escritor amazonense, com o qual, a meu ver, muito se pode aprender, uma vez que, atualmente, não somos mais ensinados a viver ligados à tecnologia, e sim o contrário: nascemos imbricados a ela e precisaríamos, urgentemente, aprendermos a nos desligarmos mais. 
      algo assim como o que foi proposto pela jornalista eliane brum, quando escreveu uma crônica intitulada “É urgente recuperar o sentido de urgência”, na qual aborda o quanto nos tornamos dependentes do imediatismo, nas diferentes esferas sociais, privando-nos da nossa intimidade em prol de nos mostrarmos disponíveis a todos a qualquer momento do dia, atitude esta que eu vejo soar como uma pseudo-demonstração de atenção e respeito pelo próximo. assim argumenta brum: “Estamos vivendo como se tudo fosse urgente. Urgente o suficiente para acessar alguém. E para exigir desse alguém uma resposta imediata. Como se o tempo do ‘outro’ fosse, por direito, também o ‘meu’ tempo”. são tantas as frases certeiras que convido o leitor a ler a crônica dela na íntegra, percebendo, assim, a existência de outras maneiras de viver, oriundas de uma reflexão que envolve principalmente o ato de respeitar a si mesmo nesse emaranhado virtual que nos abraça e do qual não conseguimos, a priori, desgarrarmo-nos - afinal, alerta-nos a escritora, “Viver no tempo do outro – de todos e de qualquer um – é uma tragédia contemporânea”, da qual, parece-me, hatoum tem a mesma consciência.
      e é uma forma de preenchermos nosso ego, acrescento. ao mostrarmo-nos dispostos a qualquer momento do dia para sermos interrompidos de diferentes maneiras – sms, ligação telefônica, redes sociais, whatsap, visita-sem-combinação-prévia – disfarçamos o nosso egoísmo sob a veste falsa de dar atenção ao outro. ao expormos tal disponibilidade, estamos na verdade gritando para que nos procurem, para que nos olhem, para que curtam – o mais rápido possível – aquilo que acabamos de postar. e retribuímos o ato como forma de garantir que ele nos seja devolvido. 
      é o nosso ato de covardia, sobre o qual escreve o romancista jonathan franzen, num ensaio intitulado “Curtir é covardia”, no qual o autor apresenta um contraste entre as tendências narcisistas da tecnologia e o problema do amor verdadeiro, uma vez que o amor, enquanto verdadeiro, denuncia a mentira de que o mundo tecnoconsumista – e imediatista – exige de nós compreensão: “Se pensarmos nisso em termos humanos, e imaginarmos uma pessoa definida pela ansiedade desesperada de ser curtida, qual é o quadro que vemos? O de uma pessoa sem integridade, descentrada. Em casos mais patológicos, vemos um narcisista – alguém incapaz de tolerar em sua autoimagem as manchas que seriam representadas pela possibilidade de não ser curtida e que portanto busca uma fuga do contato humano ou se dedica a sacrifícios cada vez mais extremos da própria integridade com o intuito de ser curtida”.
      os comportamentos de milton hatoum e eliane brum (ela por exemplo abriu mão do aparelho celular e faz questão de ser contatada somente por e-mail) são aqui cronicados não como referência em termos de relações humano-sociais, e sim como alternativa, eco do que propôs franzen: um comportamento consciente, não-dependente, muito menos falso ou egoísta. 
      sendo assim, não defendo nesta croniqueta – que está mais para um ensaio – um posicionamento de contrariedade radical. se escrevo sobre esse assunto é porque a mim ele ainda se apresenta bastante confuso, tamanha a linha tênue que nos separa de uma dependência e de uma aversão tecnológica e social, ambas atitudes extremistas que nos implicam perdas. uma vez que somos bebês no contato com essa ultramodernidade na qual estamos inseridos, nada melhor do que o exercício de nos olharmos dentro desse meio, porque mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira, há décadas nos cantou o renato.

ítalo puccini

segunda-feira, 3 de junho de 2019

ouroboros

no estômago morreu a paixão 
em manhã de quinta-feira 
acordado em dor

meu sono é tristeza:
quimera suicida 
pelo calibre da sinceridade 

inconsciente engavetado na infância:
nascemos todos fetos prematuros 
de amanhã 

paixão irresistível ao trauma

quando se come a própria cauda
ilusão de ouroboros 

ítalo puccini