terça-feira, 15 de dezembro de 2020
orelha ledoux
quarta-feira, 9 de dezembro de 2020
orelha edu
depois de os primeiros escritos alçarem voos em leves calopsitas líricas e irônicas, eduardo silveira apresenta a nós, leitores, versos-poemas densos e maduros, agora conduzidos por um animal de hábitos predominantemente terrestres e mais pesado. isto porque os textos deste “tamanduá/bandeiras” versam, de repente, sobre personagens que comem tijolos e políticos a dormirem de sapatos, ou seja, é necessário ao animal da vez saber suportar as desgraças históricas, o enfado do trabalho diário e inclusive as notícias bonitas.
com este livro, edu nos convida a aceitarmos a imaginação como parte do mundo, de maneira próxima à que ele consegue, ao carregar na cabeça os próprios mapas: políticos, cotidianos, líricos e satíricos. e é pelo viés literário o convite de edu para aturarmos por exemplo a burrice e aquele-que-não-pode-ser-nomeado, sinônimos que, sem metáforas, são impossíveis de tolerarmos.
o que edu quer com estes poemas, também, é encontrar um lugar do caralho pra amar o amor possível – na faixa de gaza, nas repartições públicas, num beliche – e, para isso, ele extrai da linguagem o prazer e milita a favor do cerne da carne e contrário aos toscos bons costumes. depois, ainda, edu descansa a língua da linguagem e escolhe palavras com cuidado, capacidade restrita a poucos poetas, o que configura a singularidade desse escritor por quem sou amor da cabeça aos pés.
segunda-feira, 23 de novembro de 2020
sexta-feira, 6 de novembro de 2020
quinta-feira, 29 de outubro de 2020
domingo, 4 de outubro de 2020
o outro cão de joão cabral
que eu queria ser
queria sentir
ferrugem e lama por
onde rasteja o
olfato
é cego quando velho
um rio sem água
se esquece de um
trauma já sofrido
o retorno do dono
de afazeres nem
dorme menos do que
necessita não
conta os livros que leu nem
pensa no que vai
escrever
morre e
escolhe o
lugar
faz questão de
demonstrar
do cão existe
é na gente
ítalo puccini
sábado, 26 de setembro de 2020
resenha poética
poesia se faz do corpo
e do amor
do diabo
e servo de si mesmo
um líquido sagrado
escorrido do verbo
sábado, 5 de setembro de 2020
haicais de brás cubas
meu pai
a aparência
da razão contra a sandice
prudêncio
meu cavalinho da infância
o adulto do vergalho
sabina
a prataria enquanto
herança para uma copa digna
cotrim
o caráter como
efeito de relações sociais
marcela
meu amor
um cativeiro pessoal
eugênia
olhos pretos e tranquilos
mas coxa de nascença
virgília
um pêndulo
um instante menos de vida
lobo neves
supersticioso e ambicioso
e corno
d. plácida
cúmplice
por cinco contos
eulália
viva ou morta
eu nada senti
o quincas humanitas
entre o osso e o cão
nem todos os problemas valem 5 minutos de atenção
dormir
um modo interino
de morrer
das memórias
às negativas
o legado das nossas misérias
terça-feira, 11 de agosto de 2020
parceria lítero-musical
domingo, 2 de agosto de 2020
formação leitora
quinta-feira, 30 de julho de 2020
tempo, tempo, tempo, tempo,
és
um senhor tão bonito, um dos deuses mais lindos, sabemos, eu e caetano.
compositor de destinos, tambor de todos os ritmos, também sabemos, caetano e eu.
contudo, noves fora todas as suas qualidades, vou te fazer um pedido, tempo,
ouve bem o que te digo: calma. ou, na linguagem contemporânea dos memes: seje
menas. isto porque, à parte a liberdade poética do meu pedido, você me ocupa o
pensar enquanto, ao mesmo tempo, eu o ocupo pensando em você. tão complexo
quanto desesperador.
gosto
muito dos versos do renato russo em “tempo perdido”, de que “temos todo o tempo
do mundo” e “temos nosso próprio tempo”: sobre o primeiro, a imensidão do
infinito, abstração tão necessária quanto qualquer ilusão que alimentemos; e, a
respeito do segundo, gosto da ideia de ter meu próprio tempo, de torná-lo meu,
apesar de todo o esforço mundano para tirá-lo de mim e preenchê-lo com aquilo
que não me interessa. conforme canta o lenine, em “é o que me interessa”:
“daqui desse momento / do meu olhar pra fora / o mundo é só miragem / a sombra
do futuro / a sobra do passado / assombram a paisagem”. é “a saudade de um
tempo que ainda não passou” o tempo todo do mundo que temos pela frente. e que
de nós querem usurpar.
sinto
que 24 horas para um dia é exagero. revolto-me, inclusive, quando minhas
energias se esvaíram e ainda há o que se cumprir até que se encerre um dia e se
possa descansar para o próximo. e, igualmente, 12 meses em um ano considero excessivo.
até mesmo 30 ou 31 dias em um mês me incomodam. de modo que durmo, durmo muito,
o máximo que meu corpo aguenta, e mesmo assim é pouco, em comparação a todo o
tempo acordado e envolvido em afazeres. durmo enquanto forma de protesto contra
uma vida cujo ritmo me parece a causa de doenças variadas, físicas e
emocionais.
afinal,
quanto mais saudável seria se: um dia tivesse 20 horas no máximo, sendo 8 destinadas
a dormir, 6 a 8 envolvidas com o trabalho, restando outras 4 ou 6 para escolhas
pessoais; um ano, 10 meses, e no mínimo 1 de férias para todos; cada mês fosse composto
por 28 dias, distribuídos em 4 semanas de 7; e a semana se dividisse em 4 dias
de trabalho e 3 de descanso e lazer. seríamos mais saudáveis, física e
psicologicamente. mas não. tornamos o mundo nisto que drummond, lá em 1945, chamou
de “nosso tempo”, ainda tão atual: “é tempo de partido / tempo de homens
partidos”. uma doença coletiva regida pela tentativa humana de aceleração do
tempo.
e
uma degustação da minha utopia de vida saudável eu vivenciei no início do
período de isolamento social provocado pela pandemia covid-19, em meados de
março e início de abril, quando me habituei a dormir antes da meia-noite e a
acordar depois das 8:00, inclusive descansando meia ou uma hora no início da
tarde. eu pensava, à época: precisou instaurar-se uma pandemia para aprendermos
a cultivar um estilo de vida mais cuidadoso com o corpo e a mente. tolice a
minha. em poucas semanas, o ritmo de vida forçosamente se normalizou,
imergindo-nos na loucura das atividades trabalhistas e educacionais que se
iniciam quando nem mesmo o cérebro se conectou à realidade, obrigando-nos a uma
exaustiva sequência de 10 a 12 horas de produtividade, seja física ou
intelectual, necessitando-nos, nesse intervalo, ainda, cuidarmos de aspectos individuais
variados – fisiológicos, familiares, corpóreos, alimentícios, pessoais. revoltei-me
desde então, mesmo organizando minha rotina de maneira a dormir ao menos 8
horas por noite e a descansar após o almoço algumas dezenas de minutos; quando
anoitece e ainda há mais horas a cumprir, mesmo que a lazer, eu emputeço.
ao
contrário de mim, o valter hugo mãe, em entrevista ao jornal o globo, em abril,
disse aproveitar a quarentena para trabalhar em dois livros distintos, de modo
que sentia o tempo correr: “Quase todos os dias peço mais horas. Queria muito
que um dia fosse de 30 horas, no mínimo. O tempo é pouco”. eu chorei quando li,
de tristeza. sentimento que me envolve quando percebo meu dia ocupado nos três
períodos por atividades profissionais ou compromissos inadiáveis – mesmo que
estes sejam raros em minha vida. sinto-me desanimado se leciono, em um dia,
pela manhã, à tarde e à noite, por exemplo, e revoltado se no meu turno livre
me ocupo com obrigações de ofício. invade-me a sensação de impotência, de modo
que a revolta sublimatória é meu escoamento: divido-me entre imaginar uma
realidade alternativa, ler e escrever ou dormir. são as minhas formas de
resistência, meus mecanismos de defesa diante dessa ameaça completamente abstrata
e criada pelo próprio ser humano – aliás, é incrível nossa capacidade de alimentar
aquilo que nos mata. acredito, também, que minha escolha pela leitura de livros
extensos cujas histórias ocorrem em séculos anteriores – nos últimos meses li,
por exemplo, três do machado de assis, três do lima barreto e o “anna karienina”, do
tolstói – seja, inconscientemente, uma forma de confrontar a pressa com que nos
obrigam a ocupar o tempo em um dia, temática já abordada por mim em outro
escrito, produzido mais ou menos nesse período de metade do ano, mas no anterior.
é a época em que essa minha crise mais se acentua.
inclusive
para escrever esta croniqueta eu demorei semanas, pois, quando pensava em me
sentar para escrevê-la, escolhia dormir ou ler até dormir. e é o que eu desejo
a todos nós, mais descanso, menos cansaço. no máximo um esforço para justamente
encontrar uma maneira de se defender dessa ameaça diária, confrontando-a a
partir de escolhas pessoais saudáveis. um bom e prolongado sono, portanto. nos
280 dias do meu ano utópico.
ítalo puccini
segunda-feira, 13 de julho de 2020
semana i
o tempo
em minas gerais
caminha em ilusão bucólica
o tempo
em minas gerais
são os cães que controlam
o tempo
em minas gerais
desafia ateus
o tempo
em minas gerais
favorece os distraídos
o tempo
em minas gerais
se esconde nas montanhas
o tempo
em minas gerais
é por vontade própria
o tempo
em minas gerais
é o pó que vai na gente
ítalo puccini
segunda-feira, 22 de junho de 2020
o homem e a terra: a literatura enquanto testemunho
nesse contexto, a ação dos cafonis é, em essência, na narrativa, quase uma falta de ação: sentem-se desnorteados, sem sabedoria sobre como devem agir diante da onipresença intelectual e física daqueles que exercem o que bourdieu, ao final do século xx, denominou violência simbólica: exercida por um corpo social, sem agressão corpórea, responsável por causas danos morais e psicológicos nas vítimas – com a diferença de que fisicamente sofrem os camponeses na obra. há, dessa forma, em “Fontamara”, em um aspecto, a perspectiva social de personagens oprimidos, e, em outro, a daqueles com acesso à cultura e aos meios necessários para se promover alguma mudança coletiva – preferencialmente restritiva à elite. além disso, nesse ínterim, estabelece-se um impasse de comunicação entre esses dois grupos, tão distintos e compartilhando uma mesma realidade: os cafonis, apegados a provérbios e dialetos e lendas próprias – definidores de verdades perpétuas – e os homens da cidade, representantes dos tempos modernos e totalitários e violentos em ascensão à época.
nessa perspectiva, o tema central de “Fontamara”se refere à familiaridade dos personagens com a terra, temática recorrente nas obras de ignazio silone, refletindo uma herança familiar, visto que seu pai foi um pequeno produtor agrícola, e desse modo o autor desenvolveu essa identificação. também, é característica dos textos de silone a presença de terrenos áridos, de regiões íngremes, simbolizando a dureza da vida enquanto espelho do lugar, este bastante áspero, que se torna o objeto de desejo principal dos personagens da narrativa, dispostos a qualquer confronto pela defesa de uma propriedade, alimentando ainda mais a luta por aquilo sobre o qual eles detêm direito. é, pois, a narrativa de silone que mais apresenta seu estado de homem enraizado a uma terra, a uma causa, a um almejo contínuo pelos direitos sociais. e há, ainda, uma temática de solidão e de nostalgia na descrição das ações vividas pelos personagens camponeses, representando o temor – deles e do autor – de desvincular-se da própria origem.
inclusive, silone foi, além de escritor, militante político, sendo “Fontamara” uma obra escrita em davos, na suíça, em 1933, quando ele se exilou, fugindo do fascismo dominante na itália à época. dessa maneira, construída pela e a partir da memória de ignazio, essa narrativa-testemunho contempla traços autobiográficos, responsáveis nesse caso pela clareza sobre as relações entre a luta dos personagens e o conflito de vivência e de objetivos do próprio autor, um cafoni a desafiar, até onde conseguiu, a imposição fascista.
postura artística, a do escritor italiano, que dialoga com a afirmação de francisco de assis barbosa a respeito de lima barreto: aquele que “passou a ver o homem em função da sociedade em que vive e não apenas dentro de si mesmo”, cujos romances se apresentam mais como um relato pessoal do que necessariamente um trabalho literário apurado em aspectos do gênero. e essa característica de silone e teorizada em lima, de retratar, a partir da literatura, um povo e o local de origem deste, encontra-se igualmente em graciliano ramos, escritor alagoano e resistente político, que não escapou da prisão quando vargas a decretou, também na década de 1930, sem provas e sem processo, sob a alegação de o escritor envolver-se com o comunismo.
ítalo puccini
domingo, 7 de junho de 2020
as putas de rosa
marrons
amarelas
alaranjadas
camuflam-se entre
a vegetação mineira
rasgam os gerais
proíbem a paixão
e a saudade
descartam os corpos
já suados
e solitários
e entram em igrejas
vestidas de quilos de ouro
onde adoram ao corpo de cristo
em um só nome
os vários amantes
ítalo puccini