segunda-feira, 27 de maio de 2019

eu desejo, eu escolho, eu existo




     “eu desejo”, “eu desejo”, “eu desejo”. as primeiras cenas do filme “caminhos da floresta” apresentam esta frase. são quatro personagens que surgem na tela, revezando-se: joão deseja que sua vaca – milke white – dê leite;  cinderela deseja poder ir ao baile no palácio do rei; e o padeiro, mais sua esposa, desejam poder ter um filho. todos movem suas vidas a partir e em função desses desejos. ainda, um pouco mais pra frente nesse musical, surge a bruxa, cujo desejo é o de desfazer o feitiço lhe imposto pela própria mãe, o da feiura, que assim a transformou quando o pai do padeiro roubou delas os feijões mágicos. 
  e dessa forma esses desejos e histórias de vida se entrelaçam na narrativa, cuja trama paralela são os contos de fadas “joão e o pé de feijão”, “chapeuzinho vermelho”, “cinderela” e “rapunzel”. da seguinte maneira: a bruxa diz ao padeiro e à esposa deste que eles somente poderão ter o filho que desejam caso consigam para ela quatro elementos no meio da floresta: uma vaca branca como leite, um capuz vermelho como sangue, uma mecha de cabelo amarela como milho e um sapatinho tão puro como ouro. pois o casal vai até a floresta e lá se depara com: joão e sua vaca branca – a quem dão feijões mágicos em troca do animal; chapeuzinho e seu capuz vermelho; rapunzel e seu cabelo amarelo; cinderela e o sapatinho de ouro. 
  eis a trama desse musical, dirigido pelo mesmo diretor de “chicago”, rob marshall, que alterna cenas cativantes com outras superficiais e até mesmo vergonhosas, tal qual a canção apresentada pelo príncipe e seu irmão. porém, a reflexão que mais me martelou a cabeça durante o filme vem daquela primeira frase: “eu desejo”, remetendo-me ao livro de jorge forbes, “você quer o que deseja?”, cujo princípio, com base na psicanálise, é o de nos levar à pergunta-título: será que realmente queremos aquilo que desejamos?
  os personagens de “caminhos da floresta” percebem, mais para o final da narrativa, o quanto se equivocaram com relação ao que desejavam, afinal, conforme lacan, “desejar é sempre desejar outra coisa”. por exemplo: o padeiro se preocupa em ser um pai pobre e tão ruim quanto foi seu próprio pai; cinderela se desencanta com a vida no palácio; e a bruxa descobre, com a juventude restaurada, a perda de seus poderes. desse modo, eles repensam as próprias vidas e os caminhos que trilharão a partir daquele momento quando alcançaram aquilo um dia desejado. 

     esse filme me relembrou de um livro que anualmente lia para algumas turmas minhas: “joão e os sete gigantes mortais”, de sam swope, cuja história apresenta um personagem chamado joão, menino órfão, abandonado em uma aldeia quando bebê, e que lá cresceu, solitário, odiado por todos e considerado um menino mau, mau, mau. porém, diferentemente dos personagens do filme de rob marshall, joão tinha um só desejo e uma certeza sobre este desejo: queria encontrar a sua mãe. pois bem, a história se delineia para o leitor mostrando caminhos pelos quais o personagem principal passou para quem sabe alcançar o seu desejo. o enredo, de modo básico, é: um dia, saindo da aldeia onde não era bem quisto, ele encontrou um homenzinho, dividiu com este uma maçã, e recebeu, em troca, um feijão mágico, com o qual joão fez um pedido: quero minha mãe. nesse momento, apareceu diante dele uma vaca, e com ela o menino seguiu em frente, enfrentando gigantes mortais que rondavam a aldeia. 
     joão, ao contrário dos personagens de “caminhos da floresta”, queria exatamente o que desejava. pediu a mãe, recebeu a vaca, e não desistiu, muito menos mudou de ideia. porém, o que há de semelhança entre os personagens dessas duas histórias é que todos, independentemente do que sentiram após as escolhas que fizeram, antes disso assumiram uma decisão, escolheram um caminho, por consequência abrindo mão de outro e daquela vida que até então tinham. dessa forma, pois, todos exerceram a existência em caráter prático, de acordo com a analogia a descartes, proposta por forbes: “para tomar decisão, é necessário que a pessoa se pense, ou seja, penso, logo existo”. e se, ao pensar eu existo, ao desejar eu decido.

ítalo puccini

segunda-feira, 20 de maio de 2019

pequenas porções

o ser humano
ao criar o tempo
salvou a si mesmo
da loucura

é o final de ano
a nossa ilusão mais necessária

é um final de ano
por dia

ítalo puccini

domingo, 12 de maio de 2019

simbiose

o elefante que vive dentro de mim
sou eu mesmo.

ítalo puccini

segunda-feira, 6 de maio de 2019

não é impossível ser feliz sozinho

     e desculpe-me, tom, se a partir do título estabeleço um diálogo. veio-me tão forte que desejo expor sem cerimônias. porque algumas frases sabem ser porradas, cabendo-nos, então, bem utilizá-las com essa função. é o caso. 
     quem é que nunca teve medo de amar, não é mesmo, tom?
     o pescador, por exemplo, tem dois amores. um bem na terra, um bem no mar. 
     às vezes, é saudável ser sozinho, você não acha? até a beleza passa sozinha, a da garota de ipanema. acredito que de conflito o mundo já está repleto, portanto, um cadim de paz é sempre bem-vindo. e com isso defendo a ideia de que muitas das relações que estabelecemos com as pessoas nos causam dores e infelicidades. o que era para ser bom, assim não o é. fundamental é mesmo o amor, sem dúvidas. porém, é possível amar lá de longe, lá do mar, daquilo que não sabemos contar. o que nos encaminha a relativizar esse estar sozinho: isoladamente numa ilha não vivemos, então sozinho não somos. é condição humana básica a interação com outros seres, afinal, até mesmo robinson crusoé criou formas de sentir-se acompanhado na ilha onde esteve por mais de trinta anos. contudo, desassociando-nos da condição amorosa, por exemplo, torna-se possível tal viver. sendo assim, confundindo-me todo e quase vulgarmente falando, dá e não dá para ser feliz sozinho. 
     pois há quartas-feiras em que é só jogar a rede. e puxar. 
     joão ninguém que nos diga. 
     mudando um pouco de assunto, e ouvindo outra música, no peito dos desafinados também bate um coração, canta você. e eu leio a palavra desafinados para além do significado básico de alguém que não canta afinadamente: desafinado sou eu, muitas vezes grosseiro; desafinado somos nós, incompreensíveis e insatisfeitos; desafinada é a vida, essa alternância de sentires e razões. e que bom. seria tão mais desgastante se nos mantivéssemos sempre os mesmos, não é? tão insuportável se todo o dia acertássemos acordes e tons. vezemquando é válido ser vinícius de moraes. 
     quem não pede perdão nunca é perdoado. e também é preciso dizer adeus. à insensatez. 
     é pau, é pedra, é o fim do caminho. é o apito da fábrica de tecidos. ora é o corpo na cama, ora é a lama, é a lama. é a tristeza que não tem fim, a felicidade como a pluma que o vento vai levando pelo ar. que culmina com o medo matando o coração, afinal, é desconcertante rever o grande amor. e se você faz uma canção para esquecer luiza, tom, há quem escreva textos para exorcizar paixões também. minha alma, por exemplo, não canta, ela escreve. mesmo que seja um texto assim tão desprovido de energia. como uma vez me disse uma amiga: é que nos falta intimidade, a mim e a ti. 
esperemos, pois, o passarim pousar. 

ítalo puccini