“eu desejo”, “eu desejo”, “eu desejo”. as primeiras cenas do filme “caminhos da floresta” apresentam esta frase. são quatro personagens que surgem na tela, revezando-se: joão deseja que sua vaca – milke white – dê leite; cinderela deseja poder ir ao baile no palácio do rei; e o padeiro, mais sua esposa, desejam poder ter um filho. todos movem suas vidas a partir e em função desses desejos. ainda, um pouco mais pra frente nesse musical, surge a bruxa, cujo desejo é o de desfazer o feitiço lhe imposto pela própria mãe, o da feiura, que assim a transformou quando o pai do padeiro roubou delas os feijões mágicos.
e dessa forma esses desejos e histórias de vida se entrelaçam na narrativa, cuja trama paralela são os contos de fadas “joão e o pé de feijão”, “chapeuzinho vermelho”, “cinderela” e “rapunzel”. da seguinte maneira: a bruxa diz ao padeiro e à esposa deste que eles somente poderão ter o filho que desejam caso consigam para ela quatro elementos no meio da floresta: uma vaca branca como leite, um capuz vermelho como sangue, uma mecha de cabelo amarela como milho e um sapatinho tão puro como ouro. pois o casal vai até a floresta e lá se depara com: joão e sua vaca branca – a quem dão feijões mágicos em troca do animal; chapeuzinho e seu capuz vermelho; rapunzel e seu cabelo amarelo; cinderela e o sapatinho de ouro.
eis a trama desse musical, dirigido pelo mesmo diretor de “chicago”, rob marshall, que alterna cenas cativantes com outras superficiais e até mesmo vergonhosas, tal qual a canção apresentada pelo príncipe e seu irmão. porém, a reflexão que mais me martelou a cabeça durante o filme vem daquela primeira frase: “eu desejo”, remetendo-me ao livro de jorge forbes, “você quer o que deseja?”, cujo princípio, com base na psicanálise, é o de nos levar à pergunta-título: será que realmente queremos aquilo que desejamos?
os personagens de “caminhos da floresta” percebem, mais para o final da narrativa, o quanto se equivocaram com relação ao que desejavam, afinal, conforme lacan, “desejar é sempre desejar outra coisa”. por exemplo: o padeiro se preocupa em ser um pai pobre e tão ruim quanto foi seu próprio pai; cinderela se desencanta com a vida no palácio; e a bruxa descobre, com a juventude restaurada, a perda de seus poderes. desse modo, eles repensam as próprias vidas e os caminhos que trilharão a partir daquele momento quando alcançaram aquilo um dia desejado.
esse filme me relembrou de um livro que anualmente lia para algumas turmas minhas: “joão e os sete gigantes mortais”, de sam swope, cuja história apresenta um personagem chamado joão, menino órfão, abandonado em uma aldeia quando bebê, e que lá cresceu, solitário, odiado por todos e considerado um menino mau, mau, mau. porém, diferentemente dos personagens do filme de rob marshall, joão tinha um só desejo e uma certeza sobre este desejo: queria encontrar a sua mãe. pois bem, a história se delineia para o leitor mostrando caminhos pelos quais o personagem principal passou para quem sabe alcançar o seu desejo. o enredo, de modo básico, é: um dia, saindo da aldeia onde não era bem quisto, ele encontrou um homenzinho, dividiu com este uma maçã, e recebeu, em troca, um feijão mágico, com o qual joão fez um pedido: quero minha mãe. nesse momento, apareceu diante dele uma vaca, e com ela o menino seguiu em frente, enfrentando gigantes mortais que rondavam a aldeia.
joão, ao contrário dos personagens de “caminhos da floresta”, queria exatamente o que desejava. pediu a mãe, recebeu a vaca, e não desistiu, muito menos mudou de ideia. porém, o que há de semelhança entre os personagens dessas duas histórias é que todos, independentemente do que sentiram após as escolhas que fizeram, antes disso assumiram uma decisão, escolheram um caminho, por consequência abrindo mão de outro e daquela vida que até então tinham. dessa forma, pois, todos exerceram a existência em caráter prático, de acordo com a analogia a descartes, proposta por forbes: “para tomar decisão, é necessário que a pessoa se pense, ou seja, penso, logo existo”. e se, ao pensar eu existo, ao desejar eu decido.
ítalo puccini