Não mais cabe discutir a importância de uma prática constante da leitura,
não só para o desenvolvimento da consciência do ser humano enquanto um cidadão
participante de uma sociedade, como também ao desenvolvimento do ser humano que
cria uma ideologia, esta que o faz pensar e agir. Entretanto, cabe, sim, um
repensar sobre essa prática da leitura. Não-ler também pode ser importante
nesse processo de conscientização de si e do mundo.
É o que propõe o filósofo alemão
Schopenhauer, em seu artigo “Sobre a leitura e os livros”, presente no livro “A
arte de escrever”, da coleção L&PM POCKET (2005). O autor apresenta um
ponto de vista com relação à prática da leitura que, se trazido para os dias
atuais, fica em direção oposta ao que tanto se tem discutido sobre a
disseminação da prática da leitura.
Schopenhauer defende a ideia de que o ato de não-ler, ou seja, de se
ausentar dos livros e, consequentemente, das diversas ideias existentes em outros
autores, é uma atitude tão importante quanto o próprio ato da leitura em si.
Uma opinião que, se muito divulgada, logo poderia servir de muleta para os
aleijados da leitura. Contudo, Schopenhauer explica o porquê de afirmar que o
ato de não-ler é tão importante quanto o de ler – a leitura aqui tratada, e
pelo filósofo também, sobre a perspectiva dos símbolos gráficos, do texto
escrito propriamente dito. Explicação esta que não caberá aos não-leitores como
muleta.
O pensador não apresenta a opinião de que não se deve ler nunca, ou de
que ler seja algo prejudicial à saúde, física ou mental, das pessoas. O que o
filósofo alemão apresenta é que uma leitura livresca, contínua, ininterrupta,
impede o sujeito de desenvolver em si uma opinião propriamente sua: “(...) quem lê muito e quase o dia todo, mas
nos intervalos passa o tempo sem pensar nada, perde gradativamente a capacidade
de pensar por si mesmo – como alguém que, de tanto cavalgar, acabasse
desaprendendo a andar”. Sobretudo, o ato de não-ler, para Schopenhauer,
significa a oportunidade de o sujeito acomodar em si mesmo as informações
recém-obtidas, construindo-as, assimilando-as e acomodando-as em um
conhecimento próprio, intrapessoal.
Importante relevar o detalhe das diferenças cruciais existentes entre a
época em que Schopenhauer apresentou tal ponto de vista e a época em que
atualmente vivemos. São duas realidades muito distintas. Contudo, a opinião do
filósofo alemão pode ser interessante justamente em função dessa diferença de
cultura e de época, uma vez que hoje em dia o que mais tem sido incentivada é
uma maior prática de leitura por parte das pessoas, sem se atentar para o que
se tem feito com essas leituras. Ler um material escrito atrás do outro e nada
acrescentar a si pode ser tão inútil quanto não ler. Aí a atenção que se deve
dar ao dizer de Schopenhauer.
É preciso cuidado ao construir
sentidos a esse não-ler. Proclamar aos quatro cantos que as pessoas não leiam
pode ser prejudicial demais numa sociedade em que desculpas para não ler é que não
faltam (coitado do tempo, sempre o vilão). Quem muito já leu – e permanece
lendo – consegue compreender o quanto essa prática constante da leitura provoca
transformações no ser humano. No entanto, sabe-se, quem não tem consigo a
prática de leitura bem marcada pode interpretar que o fato de não-ler lhe faz
bem, e utilizá-lo como “muleta”, conforme dito no início do texto.
É aquele que tem na leitura uma condição de existência que pode
transformar esse não-ler proposto por Schopenhauer em uma atividade reflexiva
das leituras que realiza. E somente com muita prática de leitura que se pode
construir um significado construtivo para este ‘caminho alternativo’.
Ítalo Puccini
Ítalo Puccini