Continuo
tratando alguns livros como puta.
É isso.
Perdão pela frase. E
pela colocação tão abrupta dela no texto. Vou abrandar a situação (ao menos
tentar) explicando de onde provém tal dizer.
Foi
Enzo quem uma vez me escreveu esta expressão, digamos, metafórica. Segundo ele,
ler um livro e não se lembrar do que foi lido, ou comprar um livro sem
recordar-se de que o mesmo você já possui, são modos de tratá-los (os livros)
como putas: comeu e não é capaz de recordar que.
E
esta simplória metáfora me leva a trazer à tona o quanto o ato de ler pode ser,
muitas vezes, relacionado a alguma conotação sexual – mesmo que
inconscientemente. Refiro-me ao ato de ler sem entrar na história proposta por
um texto. Não é apontar para narrativas ou poemas que apresentem cenas
picantes, e sim focar a possibilidade da relação – quase explícita – a partir
das palavras utilizadas para a prática da leitura: devorar e comer um livro, e
sentir prazer com a leitura, por exemplo. E, agora, comer um livro (lê-lo) e
não guardar na memória tal ato.
Há
quatro meses, comprei “O encontro marcado”, do Fernando Sabino, com a dúvida se
eu já não o tinha. Sim, uma edição igual a então recém-comprada já se fazia presente
em uma de minhas estantes. Senti vergonha de mim mesmo naquele momento. E tal
sentimento se repetiu dois meses depois, quando trouxe para casa, bastante
feliz, o exemplar de “Uma ilha chamada livro”, de Heloísa Seixas, comprado a
apenas dez reais em uma livraria. E a vergonha foi maior desta última vez,
porque eu não tinha ideia de que já havia lido o livro, muito menos de que ele
já se encontrava em minha prateleira, e – ato mais grave ainda – muito
sublinhado e anotado, por mim mesmo, com um registro de quando a leitura fora
feita, há dois anos.
Tentando
atenuar o causo, e também porque me é característico dar livros aos amigos, foi
o que fiz com os dois exemplares repetitidos. À Josi dei o livro da ilha, e o
outro, do Sabino, não me recordo a quem. Um vexame atrás do outro. Que somente
me leva a desacreditar na literatura – e em mim mesmo, é claro. Esse papo de
que a arte não precisa ter utilidade é bem bonito mesmo, mas ela te prega peças;
taí o meu relato pra comprovar.
Aproveito
para fechar este breve e desastroso relato com um trecho do livro da Heloísa
Seixas, porque o livro todo, repleto de textos curtos e de reflexões sobre as
práticas da leitura e da escrita, é muito bonito (mesmo que eu tenha me
esquecido de tê-lo lido): “(...) quanta coisa está contida numa página não
escrita, numa não página, de um não livro. Afinal, o branco é a soma de todas
as cores. As possibilidades são infinitas”. E o esquecimento faz parte delas.
Ítalo Puccini
Ítalo Puccini