sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Doença do esquecimento literário

            Parece nome de trabalho apresentado em congresso (só não sei se de educação ou de medicina, de tão horrível que é este título). E, para completar o caso, o assunto a ser desenvolvido nesta croniqueta é quase que vexatório. Então, um título fraco vai combinar com o tema.
            Continuo tratando alguns livros como puta.
É isso.
Perdão pela frase. E pela colocação tão abrupta dela no texto. Vou abrandar a situação (ao menos tentar) explicando de onde provém tal dizer.
            Foi Enzo quem uma vez me escreveu esta expressão, digamos, metafórica. Segundo ele, ler um livro e não se lembrar do que foi lido, ou comprar um livro sem recordar-se de que o mesmo você já possui, são modos de tratá-los (os livros) como putas: comeu e não é capaz de recordar que.
            E esta simplória metáfora me leva a trazer à tona o quanto o ato de ler pode ser, muitas vezes, relacionado a alguma conotação sexual – mesmo que inconscientemente. Refiro-me ao ato de ler sem entrar na história proposta por um texto. Não é apontar para narrativas ou poemas que apresentem cenas picantes, e sim focar a possibilidade da relação – quase explícita – a partir das palavras utilizadas para a prática da leitura: devorar e comer um livro, e sentir prazer com a leitura, por exemplo. E, agora, comer um livro (lê-lo) e não guardar na memória tal ato.
            Há quatro meses, comprei “O encontro marcado”, do Fernando Sabino, com a dúvida se eu já não o tinha. Sim, uma edição igual a então recém-comprada já se fazia presente em uma de minhas estantes. Senti vergonha de mim mesmo naquele momento. E tal sentimento se repetiu dois meses depois, quando trouxe para casa, bastante feliz, o exemplar de “Uma ilha chamada livro”, de Heloísa Seixas, comprado a apenas dez reais em uma livraria. E a vergonha foi maior desta última vez, porque eu não tinha ideia de que já havia lido o livro, muito menos de que ele já se encontrava em minha prateleira, e – ato mais grave ainda – muito sublinhado e anotado, por mim mesmo, com um registro de quando a leitura fora feita, há dois anos.
            Tentando atenuar o causo, e também porque me é característico dar livros aos amigos, foi o que fiz com os dois exemplares repetitidos. À Josi dei o livro da ilha, e o outro, do Sabino, não me recordo a quem. Um vexame atrás do outro. Que somente me leva a desacreditar na literatura – e em mim mesmo, é claro. Esse papo de que a arte não precisa ter utilidade é bem bonito mesmo, mas ela te prega peças; taí o meu relato pra comprovar.
            Aproveito para fechar este breve e desastroso relato com um trecho do livro da Heloísa Seixas, porque o livro todo, repleto de textos curtos e de reflexões sobre as práticas da leitura e da escrita, é muito bonito (mesmo que eu tenha me esquecido de tê-lo lido): “(...) quanta coisa está contida numa página não escrita, numa não página, de um não livro. Afinal, o branco é a soma de todas as cores. As possibilidades são infinitas”. E o esquecimento faz parte delas.

Ítalo Puccini