quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O ato de não-ler



Não mais cabe discutir a importância de uma prática constante da leitura, não só para o desenvolvimento da consciência do ser humano enquanto um cidadão participante de uma sociedade, como também ao desenvolvimento do ser humano que cria uma ideologia, esta que o faz pensar e agir. Entretanto, cabe, sim, um repensar sobre essa prática da leitura. Não-ler também pode ser importante nesse processo de conscientização de si e do mundo.
            É o que propõe o filósofo alemão Schopenhauer, em seu artigo “Sobre a leitura e os livros”, presente no livro “A arte de escrever”, da coleção L&PM POCKET (2005). O autor apresenta um ponto de vista com relação à prática da leitura que, se trazido para os dias atuais, fica em direção oposta ao que tanto se tem discutido sobre a disseminação da prática da leitura.
Schopenhauer defende a ideia de que o ato de não-ler, ou seja, de se ausentar dos livros e, consequentemente, das diversas ideias existentes em outros autores, é uma atitude tão importante quanto o próprio ato da leitura em si. Uma opinião que, se muito divulgada, logo poderia servir de muleta para os aleijados da leitura. Contudo, Schopenhauer explica o porquê de afirmar que o ato de não-ler é tão importante quanto o de ler – a leitura aqui tratada, e pelo filósofo também, sobre a perspectiva dos símbolos gráficos, do texto escrito propriamente dito. Explicação esta que não caberá aos não-leitores como muleta.
O pensador não apresenta a opinião de que não se deve ler nunca, ou de que ler seja algo prejudicial à saúde, física ou mental, das pessoas. O que o filósofo alemão apresenta é que uma leitura livresca, contínua, ininterrupta, impede o sujeito de desenvolver em si uma opinião propriamente sua: “(...) quem lê muito e quase o dia todo, mas nos intervalos passa o tempo sem pensar nada, perde gradativamente a capacidade de pensar por si mesmo – como alguém que, de tanto cavalgar, acabasse desaprendendo a andar”. Sobretudo, o ato de não-ler, para Schopenhauer, significa a oportunidade de o sujeito acomodar em si mesmo as informações recém-obtidas, construindo-as, assimilando-as e acomodando-as em um conhecimento próprio, intrapessoal.
Importante relevar o detalhe das diferenças cruciais existentes entre a época em que Schopenhauer apresentou tal ponto de vista e a época em que atualmente vivemos. São duas realidades muito distintas. Contudo, a opinião do filósofo alemão pode ser interessante justamente em função dessa diferença de cultura e de época, uma vez que hoje em dia o que mais tem sido incentivada é uma maior prática de leitura por parte das pessoas, sem se atentar para o que se tem feito com essas leituras. Ler um material escrito atrás do outro e nada acrescentar a si pode ser tão inútil quanto não ler. Aí a atenção que se deve dar ao dizer de Schopenhauer.
            É preciso cuidado ao construir sentidos a esse não-ler. Proclamar aos quatro cantos que as pessoas não leiam pode ser prejudicial demais numa sociedade em que desculpas para não ler é que não faltam (coitado do tempo, sempre o vilão). Quem muito já leu – e permanece lendo – consegue compreender o quanto essa prática constante da leitura provoca transformações no ser humano. No entanto, sabe-se, quem não tem consigo a prática de leitura bem marcada pode interpretar que o fato de não-ler lhe faz bem, e utilizá-lo como “muleta”, conforme dito no início do texto.
É aquele que tem na leitura uma condição de existência que pode transformar esse não-ler proposto por Schopenhauer em uma atividade reflexiva das leituras que realiza. E somente com muita prática de leitura que se pode construir um significado construtivo para este ‘caminho alternativo’.

Ítalo Puccini