quinta-feira, 30 de julho de 2020

tempo, tempo, tempo, tempo,

és um senhor tão bonito, um dos deuses mais lindos, sabemos, eu e caetano. compositor de destinos, tambor de todos os ritmos, também sabemos, caetano e eu. contudo, noves fora todas as suas qualidades, vou te fazer um pedido, tempo, ouve bem o que te digo: calma. ou, na linguagem contemporânea dos memes: seje menas. isto porque, à parte a liberdade poética do meu pedido, você me ocupa o pensar enquanto, ao mesmo tempo, eu o ocupo pensando em você. tão complexo quanto desesperador.

gosto muito dos versos do renato russo em “tempo perdido”, de que “temos todo o tempo do mundo” e “temos nosso próprio tempo”: sobre o primeiro, a imensidão do infinito, abstração tão necessária quanto qualquer ilusão que alimentemos; e, a respeito do segundo, gosto da ideia de ter meu próprio tempo, de torná-lo meu, apesar de todo o esforço mundano para tirá-lo de mim e preenchê-lo com aquilo que não me interessa. conforme canta o lenine, em “é o que me interessa”: “daqui desse momento / do meu olhar pra fora / o mundo é só miragem / a sombra do futuro / a sobra do passado / assombram a paisagem”. é “a saudade de um tempo que ainda não passou” o tempo todo do mundo que temos pela frente. e que de nós querem usurpar.

sinto que 24 horas para um dia é exagero. revolto-me, inclusive, quando minhas energias se esvaíram e ainda há o que se cumprir até que se encerre um dia e se possa descansar para o próximo. e, igualmente, 12 meses em um ano considero excessivo. até mesmo 30 ou 31 dias em um mês me incomodam. de modo que durmo, durmo muito, o máximo que meu corpo aguenta, e mesmo assim é pouco, em comparação a todo o tempo acordado e envolvido em afazeres. durmo enquanto forma de protesto contra uma vida cujo ritmo me parece a causa de doenças variadas, físicas e emocionais.

afinal, quanto mais saudável seria se: um dia tivesse 20 horas no máximo, sendo 8 destinadas a dormir, 6 a 8 envolvidas com o trabalho, restando outras 4 ou 6 para escolhas pessoais; um ano, 10 meses, e no mínimo 1 de férias para todos; cada mês fosse composto por 28 dias, distribuídos em 4 semanas de 7; e a semana se dividisse em 4 dias de trabalho e 3 de descanso e lazer. seríamos mais saudáveis, física e psicologicamente. mas não. tornamos o mundo nisto que drummond, lá em 1945, chamou de “nosso tempo”, ainda tão atual: “é tempo de partido / tempo de homens partidos”. uma doença coletiva regida pela tentativa humana de aceleração do tempo.

e uma degustação da minha utopia de vida saudável eu vivenciei no início do período de isolamento social provocado pela pandemia covid-19, em meados de março e início de abril, quando me habituei a dormir antes da meia-noite e a acordar depois das 8:00, inclusive descansando meia ou uma hora no início da tarde. eu pensava, à época: precisou instaurar-se uma pandemia para aprendermos a cultivar um estilo de vida mais cuidadoso com o corpo e a mente. tolice a minha. em poucas semanas, o ritmo de vida forçosamente se normalizou, imergindo-nos na loucura das atividades trabalhistas e educacionais que se iniciam quando nem mesmo o cérebro se conectou à realidade, obrigando-nos a uma exaustiva sequência de 10 a 12 horas de produtividade, seja física ou intelectual, necessitando-nos, nesse intervalo, ainda, cuidarmos de aspectos individuais variados – fisiológicos, familiares, corpóreos, alimentícios, pessoais. revoltei-me desde então, mesmo organizando minha rotina de maneira a dormir ao menos 8 horas por noite e a descansar após o almoço algumas dezenas de minutos; quando anoitece e ainda há mais horas a cumprir, mesmo que a lazer, eu emputeço.

ao contrário de mim, o valter hugo mãe, em entrevista ao jornal o globo, em abril, disse aproveitar a quarentena para trabalhar em dois livros distintos, de modo que sentia o tempo correr: “Quase todos os dias peço mais horas. Queria muito que um dia fosse de 30 horas, no mínimo. O tempo é pouco”. eu chorei quando li, de tristeza. sentimento que me envolve quando percebo meu dia ocupado nos três períodos por atividades profissionais ou compromissos inadiáveis – mesmo que estes sejam raros em minha vida. sinto-me desanimado se leciono, em um dia, pela manhã, à tarde e à noite, por exemplo, e revoltado se no meu turno livre me ocupo com obrigações de ofício. invade-me a sensação de impotência, de modo que a revolta sublimatória é meu escoamento: divido-me entre imaginar uma realidade alternativa, ler e escrever ou dormir. são as minhas formas de resistência, meus mecanismos de defesa diante dessa ameaça completamente abstrata e criada pelo próprio ser humano – aliás, é incrível nossa capacidade de alimentar aquilo que nos mata. acredito, também, que minha escolha pela leitura de livros extensos cujas histórias ocorrem em séculos anteriores – nos últimos meses li, por exemplo, três do machado de assis, três do lima barreto e o “anna karienina”, do tolstói – seja, inconscientemente, uma forma de confrontar a pressa com que nos obrigam a ocupar o tempo em um dia, temática já abordada por mim em outro escrito, produzido mais ou menos nesse período de metade do ano, mas no anterior. é a época em que essa minha crise mais se acentua.

inclusive para escrever esta croniqueta eu demorei semanas, pois, quando pensava em me sentar para escrevê-la, escolhia dormir ou ler até dormir. e é o que eu desejo a todos nós, mais descanso, menos cansaço. no máximo um esforço para justamente encontrar uma maneira de se defender dessa ameaça diária, confrontando-a a partir de escolhas pessoais saudáveis. um bom e prolongado sono, portanto. nos 280 dias do meu ano utópico.  

 

ítalo puccini

segunda-feira, 13 de julho de 2020

semana i

o tempo

em minas gerais

caminha em ilusão bucólica 

 

o tempo 

em minas gerais

são os cães que controlam 

 

o tempo

em minas gerais

desafia ateus

 

o tempo 

em minas gerais

favorece os distraídos

 

o tempo

em minas gerais

se esconde nas montanhas

 

o tempo

em minas gerais

é por vontade própria  

 

o tempo

em minas gerais

é o pó que vai na gente 

 

ítalo puccini