quinta-feira, 19 de agosto de 2010

surpresa


ele veio, sem muita conversa, sem muito explicar, chegou, entrou, tomou conta, beijou aqui, esfregou ali, carregou piano, sacola e um par de tênis e deixou o menino assim, descalço sobre a laje, com as partituras na mão.

ítalo puccini

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

pueril

ele é ingênuo ele vai assim dançando por aí cantalorando dois pra lá dois pra cá e não percebe o que vão fazendo dele e então não sabe por que se sente tão pesado e tão cansado vezemquando que é por acreditar tanto assim nos outros que é por querer fazer o bem tanto assim aos outros aí ele vai acumulando histórias acumulando não ele vai carregando histórias vai ficando assim pesado turvo cansado sombrio cabisbaixo tudo culpa deles que entregam vidas como quem troca de chinelo tudo culpa da chuva e de deus porque deus sempre é culpado pr’ele e ele deixa deixa mesmo afinal ele é ingênuo demais para perceber essa exploração toda essa maldade toda que ainda o acusam de fazer ‘inda mais que ele não faz por maldade sabiam na verdade ele não tem consciência de nada do que faz ele é um ser inanimado fazem por ele inclusive um texto e ele deixa e ainda acha o máximo

ítalo puccini

terça-feira, 17 de agosto de 2010

bordado


foi assim, como quem costura. amarrando dali para lá. eram histórias aquelas. mas ele nem aí. engolindo-as. parecia só contornar. como quem desenha. pelas bordas mesmo. com laços frouxos, misturados. parecia só contornar. só parecia. eram histórias outras que nasciam dali. não das bordas, mas do centro mesmo. dele. embora nascer fosse sempre um perigo. uma possibilidade. era isso o que ele fazia. brotos. pedaços de vida. as que ele levava, as que ele trazia. sim, porque tudo o que vai, volta. melhor ainda retorcido, esmagado, diluído e renascido. sempre um perigo. sempre uma possibilidade. um curso. per. um percurso. um rumo. um re. começo.

ítalo puccini

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

virando palavra escrita

Entrevista com Regininha, a Regina Carvalho.

Que tipos de livros você gosta de ler?
O que gosto mesmo de ler é um tipo de livro que parece estar saindo de moda: é aquele que traga uma boa história bem contada. Vou me grudando nele, e não quero largar enquanto não chego ao fim!

Por que você acredita que livros assim estejam saindo de moda?
A referência é à literatura chamada de erudita. Ela se volta para a narrativa feita de estilo, de sofisticação, de estrutura complicada e linguagem muitas vezes difícil. As narrativas conhecidas como metaficção, principalmente, parecem elaboradas apenas para provar que o autor conhece literatura, são muitas vezes um exercício de pernosticismo ( às vezes de pedantismo!) e acabam enchendo o saco. Parece que escrever – como ler – tem que ser um sofrimento. Pois eu acho que todos os dois deveriam ser um prazer, sempre...

Com que frequência você lê livros?
Leio três ou quatro livros por semana; às vezes mais, às vezes menos (vai depender do livro, é claro), mas a média é esta.

Cite alguns autores e alguns livros favoritos e explique por que para você são favoritos.
1.Machado de Assis: precisa explicar por quê? E sem esperar resposta, digo que é pela lucidez, pela ironia, pela clareza ao olhar a alma humana.
2.Cristovão Tezza: além de considerá-lo romancista competente, como somos amigos, percebo em suas tramas as relações vida X obra, que sempre acho muito interessantes.
3.Philip Roth,americano: constrói,desmonta e reconstrói o universo do escritor, nossa vida pelo avesso. AMO Roth.
4.Cormac McCarthy, americano: um exemplo da boa história bem contada – e usando de recursos de linguagem e estrutura que são, na verdade,simples, e ao mesmo tempo geniais,porque permitem que qualquer leitor possa acompanhar suas narrativas.
5.Juan Rulfo, mexicano: quando li Pedro Páramo, não queria acreditar que pudesse ser verdade,que ele existisse. Daí li Planalto em chamas (ou Chão em chamas, há traduções com esses dois títulos), e quando acabei quase me pus a chorar, pois ele só escreveu esses dois...
6.Tomás Eloy Martinez, argentino: jornalista,seus livros eram muito baseados na realidade. Os últimos dois ( A mão do amo e O cantor de tango) fogem disso,mas continuam de excelente qualidade.
7.José María Árguedas, peruano: dele li apenas Os rios profundos, e foi um deslumbramento, uma das coisas mais bonitas que já li na vida!
8.Enrique Vila-Matas,espanhol: dos autores de metaficção é de longe meu favorito, pois une a cultura literária profunda a um escrever delicioso.
9.Mia Couto, moçambicano: de início muito influenciado por Guimarães Rosa, acabou por esta via chegando a uma qualidade ímpar, com uma linguagem construída com maestria, sem contar a originalidade e a mística africana que retrata.
Há outros, mas acho que basta,né? Porque nem falei dos poetas!

Agora diz um livro que deixou você assim, sem respirar por um bom tempo? E um que você tenha achado uma bela porcaria?
Já citei: Os rios profundos, de José María Árguedas, escritor e antropólogo peruano, me deixou apaixonada.
No dia em que completei 50 anos,tomei a decisão seguinte: não perco mais tempo com porcarias, a menos que a profissão me obrigue. Assim, se o início não agrada, largo o livro mesmo, sem o mínimo remorso. Ih,de porcaria o mundo está cheio, prefiro não citar!

Em que lugares vocês costuma ler? E qual é o seu lugar preferido de leitura?
Isso depende muito do tipo de leitura. No momento leio, por exemplo, Uma história da MPB,do Jairo Severiano.Como é a trabalho, leio na mesa, com bloco de anotações e caneta ao lado. Mas a leitura mais descompromissada é feita em qualquer lugar: no sofá, na cama, no banheiro (sim, leio no banheiro!), na sala de espera do dentista ou do médico, para fugir da Caras e da TV... Tem sempre um livro na bolsa, para alguma emergência.

Você costuma comprar muitos livros? Empresta-os de bibliotecas? Tem o costume de emprestar seus livros a alguém?
Não gosto de ler livros lidos por outras pessoas, manuseados por outros que não eu. Ciúmes mesmo, acho. Ou aquele ranço de homem que só aceita mulher virgem , hehehe. Livro de biblioteca, assim, só se não conseguir obter de outra maneira um livro que tenho que ler. Mas empresto, sim, e sem grandes problemas – embora tenha perdido muitos livros por causa disso.

Quem é a Regininha enquanto leitora?
Acho que o que me diferencia da maioria dos leitores é um grande ecletismo, uma grande ausência de preconceito. Como diz a piada, leio até bula de remédio... Leio os eruditos, leio best-sellers, leio pornografia, leio muita poesia...Mas a leitura favorita para companhia, para entretenimento, a leitura de prazer, é o romance policial. Porque não se dá ares, porque conta boas histórias, porque tem começo e meio e fim, e na sua simplicidade (não é regra sem exceção) cria personagens excepcionais em sua humanidade.

Como você incorporou a prática da leitura? Alguém incentivou, teve um fato marcante?
Não. Na casa da infância ninguém lia. E eu me encarapitava nos galhos da ameixeira grande do quintal, para ler em paz. Mas meu pai me mandava, do Rio, onde morava, livros de presente, de vez em quando, e isso ajudou a motivar mais ainda a tendência leitora em mim. Quando fui morar com ele, foi a glória: tinha a imensa biblioteca do vô Tito Carvalho à disposição, mais de 5000 volumes...

Desde quando você é blogueira? O que o blog representa para você?
Tenho blog há cerca de três anos, ou um pouco mais (Sofro de dislexia cronológica, tu sabes – não tenho noção do tempo real).Começou porque estava me aposentando, e os alunos queriam continuar me tendo como indicadora de livros, filmes, CDs. De vez em quando me canso, tiro o blog do ar, mas depois crio outro. Não tenho grandes elucubrações quanto a isso: ele é uma companhia que me traz outras companhias, nesta vida solitária de quem escreve. É um amigo, sempre à disposição.

Quer falar um pouco também sobre o que a escrita significa para você?
A escrita se tornou atividade essencial: é desabafo, é organização do mundo, é vazão de um lado artista, é divisão de conhecimento, de sentimentos, de lembranças, de razão e desrazão. Às vezes me vejo como personagem de cartum, virando palavra escrita, e não existindo mais de outra forma...

Quer contar também sobre os seus livros-sapos?
Meus sapos são uma diversão, mas são como os poemas: brotam sozinhos, por causa de alguma pessoa que os motive. Nem todo mundo dá sapo: há os sapáveis e os não sapáveis. Semana passada escrevi um, para o cirurgião que me operou, O sapinho cirurgião, pra ver se ele perdoa uma malcriação muito, muito malcriada mesmo que andei lhe fazendo... Não sem certa razão, posso afirmar sem mentir, mas assim mesmo eu não precisava ter exagerado. Como, apesar disso, ele tem sido ótimo comigo, de repente me vejo imaginando um sapo que pega um bisturi mágico e retira a dor de dentro dos outros sapos,e a substitui por alguma coisa bonita... Depois conto se funcionou como pedido de desculpas!


Acrescentando esta pergunta após os comentários-dúvidas de Eduardo, Enzo e Camila, você pode explicar um pouquinho sobre os "livros-sapo"?
Acho que tenho uns doze ou quinze escritos, apenas dois publicados. Há um terceiro já ilustrado, à espera de publicação.
Escrevi o primeiro, O sapo azul, para brincar com amigo muito namorador. Saiu em formato de infantil, e todos têm saído assim. Não penso neles, porém, como infanto-juvenis: apenas aceito o rótulo, porque as pessoas têm necessidade de rotular.
Não penso em crianças quando escrevo, porque não penso em leitor, quando escrevo.
Adultos têm lido e dito: não é história pra criança! Só que as crianças leem e adoram... Porque elas estão muito mais adiantadas no tempo e na compreensão da vida do que os pais imaginam, porque elas são mais avançadas do que se pensa. E mais inteligentes...
Essa coisa de escrever para determinada faixa etária, passar mensagem, ser moralista, etc e tal,usar determinado vocabulário, não serve pra mim. Isso é pra produção comercial, e não é isso que faço. Não desmereço quem faz, pelamor de Deus, só não quero me preocupar com tais coisas.
Me diverte muito transformar certas pessoas em sapos, e criar os detalhes de suas histórias conjugando o imaginário humano com o que pode ser possível pros sapos – com muita liberdade, hehehe..
Assim, como acabei de fazer o sapinho cirurgião, já fiz a sapinha preguiçosa (minha filha quando adolescente), o sapinho jornalista (meu filho e meus alunos), o sapinho dormiloco (um amigo meio em depressão), a sapinha que vai pro céu... Fiz o sapinho João, pro João Bosco, e ele gostou muito. E muitos outros.
Este ano não andei atrás da publicação de nada, estava mais preocupada em resolver os problemas de saúde. Mas ano que vem, quem sabe coloco Verde Charco na rua, com maior regularidade?

Conhecemo-nos em uma oficina de escrita. Era de contos, não? Como é isso de mediar oficinas de escrita? Qual a importância de movimentos assim para um escritor?
Sim, foi numa oficina de contos, da qual participaste sem estares inscrito, pensas que não lembro? Gostaste, foste ficando e participando bastante.
É gostoso mediar, sim, desde que se dê um tempo pra que os alunos possam maturar suas ideias e suas escrevinhações. Intensivos como aquele não funcionam, não... De todo modo, é muito agradável conviver com pessoas que também gostem de escrever (de ler, nem todos gostam...).
Já dei muitas oficinas na própria UFSC,quando ali lecionava – de contos e de crônicas – e vários alunos deram bons contistas; dois viraram cronistas regulares, publicando na imprensa. Pode-se dizer que é um resultado pobre, mas não concordo, não. E observei que a maioria deles se torna LEITOR, um leitor melhor, mais atento, mais ligado. Só isso já faz valer a pena.

Deixe uma frase de (d)efeito aí, sobre leitura, escrita, livros, afins...
A leitura de livros só tem sentido se nos ensina a ler o mundo; e a leitura do mundo só terá sentido se nos ensinar a compreender e aceitar o ser humano.