quinta-feira, 14 de março de 2024

o homem que amava caixas

    sou eu. também. tal como o pai que constrói caixas para brincar com o filho e assim consegue demonstrar a este que o ama, história contada por stephen michael king no livro homônimo a esta croniqueta. 
    o amor por gestos quando não se consegue por palavras.
    e gatos e gatas são gestos: caminham se deitam se banham comem e bebem urinam e defecam correm e saltam se esfregam se alongam. um recital poético gestual. é um tango, diz paola, enquanto admiramos o bailar corpóreo de baden e guima e dudu e mima. 
    porque agora vivemos assim: uma criança duas pessoas adultas e quatro felines.
    o oi matinal é quase uma peregrinação. 
    como imaginávamos, dudu e guima estão muito próximos: passam a maior parte do tempo na sala ocupando tapetes e pufes e sofás. são os dois mais atentos aos movimentos do lar e os mais sociáveis inclusive diariamente dando seus rolês pelo corredor do andar; enquanto baden e mima se aproximam pelo incômodo que sentem diante de qualquer estranheza sonora, motivo pelo qual costumam estar juntos embaixo de móveis e camas, refugiando-se na própria paz felina. 
    quando o amor humano envolve animais, rapidamente é possível que o número destes seja superior: por décadas eu neguei ter gato ou gata, alegando rinite; depois cogitei apenas um ou uma, especialmente influenciado por minha mãe, que adotou o nino, um fofoquerido; e há dois anos foi ela quem me convenceu a trazer para minha vida um par de manos, devidamente cronicados aqui. agora dois se tornaram quatro. e se tudo der certo em breve serão oito etc.
    assim como oito poderiam ser as caixas espalhadas pelo apartamento. mas me contento com três ou quatro basicamente uma para cada feline. a conta não fecha com exatidão porque a mima não se aventura nessas estripulias, sendo raríssimo o momento em que ela entra em uma. ao contrário dos três meninos, que se jogam dentro das caixas e as reviram como podem incluindo as de ovo. 
    e, tal qual o homem lá do título, pelas caixas eu demonstro e sinto meu amor felino. mas sem desconsiderar as palavras. e os beijinhos e amassos e cuticuti etc que toda relação saudável envolve. 
    eu me vejo também nos versos cantados por lô borges em “como o machado”: “aprendi a ser como o meu gato / que descansa com os olhos abertos”. tenho tentado isso. tenho também folheado livros à procura de poemas sobre esses felines. com certeza o melhor fazer nada do meu dia. e quero aprender a dormir ainda mais o máximo de tempo possível. bocejar alongar e dormir de novo. narcolepsia. correr um pouco mas sem grandes esforços. brincar. 
    espalhar a vida pela casa.
    embaixo do sofá e da geladeira inclusive reside o inconsciente coletivo felino. de bolinhas barulhentas pelúcias e pedaços de caixas. porque também são territorialistas gatos e gatas mas sem patriotismo. outro exemplo de superioridade felina. por gestos, sem palavras. 

ítalo puccini