domingo, 14 de março de 2010

carta pra regininha - a segunda

      pois entonces, rê, tu me destes ganas de conhecer inda mais lobato. pois se tem coisa em que tô atrasado, é nas leituras dos livros de lobato. mas “a chave do tamanho”, colocado por ti na terceira carta, este eu li, há dois anos. e amei tanto, mas tanto. aí fui ler “histórias de narizinho”, e empaquei, devido a tanta leitura acumulada com que eu tava. acho que pra ler mais de lobato, precisarei de orientação. te ofereces??? (mas não nessas edições da globo, aí, que melaram as imagens com essas coisas super coloridas e nhénhénhé).
      sabes, deparei-me com dois livros infantojuvenis que exemplificam muito bem esta nossa conversa, do que consideramos como boa literatura, como um livro bem escrito, seja para adultos, seja para crianças (por mais que nossas referências estejam, agora, sobre os infantojuvenis).
      li “o olho bom do menino”, do daniel munduruku. é, o daniel, escritor indígena. super-reconhecido e tudo, inclusive com histórias belíssimas nas quais ele reconta mitos indígenas. mas este livro é uma afronta à boa literatura. é tudo aquilo que criticas em tua terceira carta: literatura mastigada, prontinha para o leitor não pensar nada, apenas concordar com a cabeça. é discurso moral do tipo: devemos dar valor a nossa vida, a tudo o que temos, a nossa visão, aos nossos amigos (isto porque o personagem da história é cego e, diz o narrador-personagem que se encanta com este menino-cego, que é um cego daqueles que sabem ver a beleza interior de cada um. gente, que discursinho mais horroroso!).
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      af, rê, quanta babozeira. e me dá urticárias pensar em quantas crianças ouvem ou leem um livro assim e justamente concordam com a cabeça e acham o máximo, que livro tem que servir pra isso mesmo, pra “instruir”.
     aí, passado esse susto, li “o gato e o escuro”, do mia couto. recém-lançado, 2009 e tudo. e mia couto, sabemos, é de um trato com as palavras, de uma capacidade de contar histórias que nos encanta por aquilo que a literatura deve encantar, pela beleza, pelo cuidado das palavras bem escolhidas para que não leiamos discursos moralistas cheio de bobagens. e pela oportunidade que o livro oferece a nós, leitores, de encantarmo-nos por personagens, de reconhecermo-nos na história, tornando-nos parte dela também.
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      então me pergunto, rê e demais leitores dessa troca de correspondências blogueiras, será que é tão difícil assim definirmos o que é boa literatura do que não é? antes: será que há má literatura? pensemos naqueles que começam lendo abobrinhas (quem é que não começou a ler sem critério nenhum?). faz mal isto? acho que não, né? talvez o “mal” (e este mal é muito, muito relativo, uma vez que ‘tá lendo, tá valendo”, quase isso) esteja em ler sempre as mesmas coisinhas simplórias e et céteras com que começamos a ler. exemplificando, e voltando ao harry potter e ao crepúsculo: quanta guriada não começou a ler com estes livros que são, para nós, literatura de massa, coisa pré-produzida, feita sob medida e blábláblá, ok, mas que cativaram a muitos, não? e isso não é bom? mas e se eles continuarem lendo só livros assim, continuará sendo tão bom? teremos aí leitores em formação, ou soldadinhos de chumbo?
      e é nisso que vivo pensando ao trabalhar minhas leituras com meus alunos, em sala. o quanto me cobram de solicitar leituras crepusculares, por exemplo, e o quanto é difícil de explicar a eles a diferença entre “o sofá estampado” e “crepúsculo”, ou entre “de repente, nas profundezas do bosque” e “harry potter”. e é lendo, lendo muito, conversando sobre as leituras, associando-as, relacionando-as, distanciando-as, que aos poucos conseguimos perceber o que as diferencia em termos de qualidade, de forma de escrita, de modos de leitura.
      inclusive, falando um bucadin sobre traduções, tô eu lendo o primeiro livro do harry potter, e com muita determinação de conseguir ler todos os sete, porque nice me falou tão bem da história, té me explicou já detalhes e afins que nos filmes não damos contar de pegar. tá, mas o fato é que tá brabo de prosseguir na leitura. é uma escrita muito chata, muito mastigadinha, que não exige nada do leitor. são ações que a gente consegue imaginar que vão acontecer, frases prontas e blábláblás. aí eu falei a ela disso, que tá ruim de ler o troço, aí ela me disse que eu não posso crucificar a autora, a tal da j.k., pois é muito provável que a tradução tenha tornado a escrita assim ruim. até levei em consideração, mas não sei até que ponto é isso mesmo. tentasse ler em inglês a história? é tão ruim assim mesmo? de fato, estou duvidando de mim mesmo em conseguir chegar até o sétimo livro.
      tá, paro por aqui esta. senão embaralhamo-nos por demais. vamos vendo por quais caminhos essa conversa ruma.
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ítalo puccini