quinta-feira, 8 de julho de 2010

leituras que lembram outras



já escrevi aqui no blog. quando leio algo, sempre me lembro de alguém. sempre penso que tal livro seria excelente para tal pessoa. as leituras me levam a isso, muito, a pensar nos outros. taí um paradoxo de que gosto muito, de como uma ação solitária nos leva a outros. comigo a leitura é assim. mas agora foi um levar a algo, não a alguém. dentre os tantos livros que li no mês passado, “o gato diz adeus”, do michel laub, e “o fim de semana”, do bernhard schlink, levaram-me a relembrar outros livros lidos.
     vou exemplificar um cadim mais isso:


      conheci o michel laub na 1ª feira do livro de itajaí. havia lido, há pouco tempo, e escrito aqui sobre, três livros dele. três romances, ou novelas, como eu havia descrito. aí, conheci-o, e fiquei sabendo também de um novo livro dele, lançado ano passado, “o gato diz adeus”. comprei-o, ele autografou, voltei pra casa e o li. e assim que o li – livrim curtim, 78 páginas – lembrei-me de “a caixa preta”, do amós oz, que eu havia lido em janeiro, junto com uns outros desse escritor israelense. porque as duas histórias, desses dois livros, são contadas por cartas. não há um narrador, nem em primeira nem em terceira pessoa. há narradores, vários, em primeira pessoa, claro, uma vez que são cartas. várias cartas de vários personagens. e a partir das cartas de cada um deles é que o leitor vai conhecendo a história. tudo por fragmentos mesmo. de repente um personagem comenta algo que outro personagem vai comentar mais adiante. e assim o texto – a história, o romance – vai jogando com o leitor. ou vai jogando o leitor mesmo, sem o “com” da frase anterior. porque eu, quando leio algo assim, sinto-me sendo jogado, pra lá e pra cá, como quem estivesse presenciando uma conversa, ora olhando pr’um interlocutor, ora olhando pr’outro. tá, só para deixar mais claro, no livro do laub não são cartas que os personagens trocam entre si. mas é como se fossem. o detalhe é que o livro do oz apresenta marcações de cartas, como data de envio, de quem para quem e etc. mas o livro do laub tem uma coisa que “a caixa preta” não tem. uma metaliteratura muito bem feita. que, além de jogar o leitor dum lado pr’outro, leva-o a quase se perder na história. a ideia de uma história dentro da outra, de um dos personagens ler o livro que o leitor está lendo. pura loucurada. muito bem amarrada, diga-se de passagem. ah, e para finalizar, assim que o romance acaba, na página seguinte à última página, há três explicações sinalizadas pelo autor, e uma delas diz respeito ao quanto, “Em sua temática, linguagem e estrutura é possível que este romance deva algo a (...) “A caixa preta”, de Amós Oz”.
       ok, esta foi uma relação que eu fiz.
     a outra diz respeito ao “fim de semana”, do alemão bernhard schlink, autor do “o leitor”, sobre o qual também já escrevinhei aqui, e também de narrativas curtas como “o outro” e “a menina com a lagartixa”. narrativas curtas, por sinais, muito bem construídas por schlink. são algo mais que contos. são algo menos que romances. são novelas. livros para serem lidos assim, de uma pegada, tranquilamente. livros envolventes. porém, “o fim de semana” foge dessa proposta do autor. é livro maior, é proposta de romance mesmo. vários personagens, várias ações e situações. duzentas e tantas páginas. e aí o alemão, ao meu ver, perdeu-se na escrita. criou um romance chato, tedioso. fui até o final de birra mesmo. mas em cinquenta páginas já foi possível sentir a narrativa se arrastando. ao menos a história de “o fim de semana” me fez lembrar do “ensaio da paixão”, do cristovão tezza, que li nos idos de 2007 (como se fosse há muito tempo mesmo). a ideia de um grupo de pessoas reunidas num local para curtir um determinado período de dias. foi isso o que me levou a relembrar o livro do tezza, do qual gostei muito, por sinal. porque há uma diferença não só de narração entre os dois (o tezza consegue prender o leitor por quase quatrocentas páginas), mas também de como ocorre essa “reunião” de amigos. “ensaio da paixão” retrata toda uma década de “pourralouquice”, de experimentação, de jovens em busca da vida em sua máxima potencialidade. já “o fim de semana” apresenta um grupo de amigos – já adultos – que se re-encontra após vários anos, para aparar arestas, para reviver uma época que não existe mais. há todo um discurso do tipo “o que são os tempos de hoje comparados a nossa época de juventude” no livro do alemão. mas é enfadonha a história, a forma como ela é conduzida. em alguns momentos é possível subentender discursos morais de comportamento, algo pra mim abominável na literatura.
     sei que o schlink tem outro livro de mais fôlego assim, “a volta pra casa”, que, parece-me, apresenta uma situação da qual gosto muito: uma história dentro da outra, sendo esta “de dentro” sem um final definido, cabendo ao leitor preenchê-la. bem possível eu encará-la, quem sabe pra desconstruir essa ideia de que o negócio dele são narrativas não-muito-longas. ou para confirmar isso mesmo. mas sou grato ao alemão. reviveu em mim a leitura do tezza. assim como sou grato ao laub, por trazer de volta a mim a história densa de “a caixa preta”. leituras que chamam outras. que lembram. quase como se fossem humanas. talvez sejam mesmo.

ítalo puccini