sexta-feira, 7 de maio de 2010

romances em fragmentos

      há livros em que batemos o olhar e, tem jeito, não, grudamos sem pestanejar, tendo tempo ou não. criamos o tempo nessas condições. leituras que flertam com o absurdo do desconhecido, do improvável, do imponderável, e da falta de tempo.
     havia sido assim, comigo, quando me deparei com os livros do escritor daniel galera, sobre os quais já escrevinhei aqui, ano passado. pois este movimento voltou a se repetir. agora, há uma semana. desta vez com os livros do escritor michel laub. um ao lado do outro numa das prateleiras da biblio do sesc. os três com o mesmo projeto gráfico, com praticamente as mesmas páginas, o mesmo volume de lombada, uma belezura só que meus olhos não suportaram somente ver. precisei olhar com as mãos. sentir mesmo. tocá-los.
     foram três livros em três dias. um por dia. propositalmente assim fiz. livros de no máximo 120 páginas. espaçamento bom. e textos curtos por capítulos. textos que não passavam de quatro páginas. isto é proposta de escrita, não é obra do acaso, não. um livro não se faz só de conteúdo, não. seu projeto gráfico apresentado ao leitor interfere, e muito, na leitura que pode ser feita. e dessa forma eu escolhi ler por três dias seguidos três livros diferentes do laub. e não me arrependi. toda aquela empolgação no bater os olhos foi confirmada durante as leituras.
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      comecei por “música anterior”, o primeiro dele, de 2001. passei para “longe da água”, o segundo, de 2004. e finalizei com “o segundo tempo”, o último, de 2006. e me envolvi por demais com os personagens destas três histórias. que poderiam ser uma história só. três olhares diferentes para as marcas que a vida deixa em cada um. as indeléveis marcas. foi assim nos três livros dele. foi o que senti. três personagens-narradores. sem nome. mas escancarados ao leitor. uma terapia, mesmo.
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      um juiz, um resenhista literário, e um adolescente. mais: uma esposa que não pode engravidar, um psicopata, dois amigos de infância, um irmão, um pai e uma mãe. estes “mais”, todos nomeados. estes todos carregados de uma vida que não tiveram. ou de uma outra que passaram a ter, percebendo ou não.
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      o que mais me impressionou na prosa deste autor, além da proposta de novelas-fragmentadas – em que o que mais fica ao leitor são vazios, buracos cabíveis de preenchimento por parte de cada leitor – foi a densidade com que os personagens eram apresentados. e também o ir e vir da narrativa. é possível conhecer bem os personagens – bem até o limite em que são apresentados, a partir daí, cada leitor reconstrói o seu – entretanto, a estrutura temporal do enredo é imprevisível. e recortada. isto nas três histórias. um capítulo pode contar o passado de alguém, e o seguinte pode apresentar o futuro deste mesmo alguém. daí minha ideia de fragmentos. são recortes de vidas apresentados ao leitor. que, bem encaixados, formam três histórias surpreendentes, com um suspense fino e cortante, às vezes angustiante.
      três livros que li como sendo um só. possibilidades de leitura, apenas. completas até certo ponto, estas leituras também se apresentam incompletas pelo que se perdeu em tão pouco tempo. talvez uma leitura mais espaçada de tempo permitisse ao leitor um aconchego maior com os personagens – apaixonantes em suas incertezas e memórias. talvez. quem sabe daqui uns meses, anos. uma releitura é sempre melhor mesmo. é como visitar antigos amigos. ou recebê-los como visitantes. abrir as portas e janelas de casa, deixá-la toda arejada, e contar. contar e ouvir. vidas que se complementam. leituras que se refazem. mesmo que entre leitores e personagens.

ítalo puccini