domingo, 30 de maio de 2010

carta pra regininha - a terceira

     Regininha, pra variar, instigou-me. Escreveu ela assim: “Tem uma coisa me intrigando: vários amigos comentam leituras, todas elas feitas pela internet. Recomendam sites, autores, mandam textos. Leio muita coisa pela internet, também, mas acaba sendo leitura desordenada, meio sem eixo condutor, e deixa o lido sem organização mental alguma. Meu lado professor (ou a idade 'avançada', sei lá) não gostam muito disso. Gosto mais quando uso essas leituras em pesquisa organizada - e pra isso a internet é uma maravilha! - , atrás de determinados autores e textos específicos. Como sou portadora dessa síndrome de interesses vastos, preciso de algum mecanismo de ordenação... Daí fico me perguntando como os amigos fazem isso, se é que fazem... Mas ainda prefiro ler livros. Parece que com eles cada peça se encaixa no lugar direitim, não fica volteando pelo espaço virtual, desnorteada...”
     Pronto, foi o que bastou para eu me coçar todo e elaborar, então, estas linhas, ainda confusas, é claro, pois estes caminhos que tomam a escrita e a leitura, de fato, deixam-nos com algumas pulgas pelo corpo, fazendo-nos saracotearmos constantemente. E ainda, há pouquinho tempo, li e escrevi sobre este assunto, fruto de uma proposta de trabalho na faculdade. Então, vou-me utilizar, aqui, de alguns parágrafos daquele texto acadêmico, aqui somente costurados, com uma linguagem menos solta mesmo.
     Se a escrita leva a uma leitura, uma leitura leva a novas escritas. E é nesse interstício que se torna possível pensar na existência da escrita somente a partir da existência da leitura, sendo a recíproca a maior prova da afirmação.
     A história da escrita e das línguas está longe de terminar, pois o caráter da escrita é imagético e transitório. Hoje falamos e escrevemos em português, mas há muito se cogita a criação de uma linguagem universal (uma tentativa foi o Esperanto, no século XIX) para unir todos os povos. A internet pode ajudar nesse processo, mas será possível? O tempo dirá, creio.
     O que temos hoje é quase que um retorno às primeiras formas de escrita registradas pela civilização. E é no espaço virtual que se pode observar esse retorno, essa busca por novas formas de expressões (e, sabe-se, nem tão novas assim).
     Tem-se, por exemplo, a escrita fragmentada, enxuta, que pouco diz, mas que muito quer ser entendida. As abreviações são modelos clássicos nisto. Uma escrita mais rápida, mais dinâmica. Apenas um reflexo social. Nesse ritmo alucinado de vida, nada mais natural ao ser humano do que registrar de maneira breve, sucinta, econômica aquilo que é anunciado, seja oralmente, seja de forma escrita.
    Desde a popularização da internet, durante os anos 90, foram muitas as mudanças nos hábitos de escrita e de comunicação no mundo todo. Primeiro foi o surgimento do e-mail, depois vieram as salas de bate-papo e os comunicadores instantâneos (como ICQ e MSN) e, finalmente, os blogs e as redes sociais (Orkut, Facebook etc.), hoje tão populares entre os adolescentes quanto diários e papéis de carta um dia já foram. Em meio a essas mudanças, com o advento de novos recursos e ferramentas comunicacionais, o internetês – nome dado à grafia abreviada utilizada na internet – acabou se desenvolvendo e cristalizando-se à medida que a rede mundial de computadores evoluiu.
     É por estes caminhos que a escrita hoje em dia mais acontece. É por aí que mais se relacionam as pessoas. Através de textos curtos, repletos de espaços de preenchimento aos leitores. Uma escrita que ao mesmo tempo anuncia algo, mas que não diz este algo em sua totalidade. Uma escrita que procura despertar a atenção e o interesse. Mas que não se aprofunda. Prova maior disso é o microblog twitter, ferramenta em que seus usuários escrevem textos de no máximo 140 caracteres (esta é uma frase neste modelo, do “Prova” até “caracteres”. A máxima ‘menos é mais’ nunca fez tanto sentido como no caso do microblog Twitter.
     Seguindo esse caminho, como não poderia deixar de ser, ainda mais se levando em conta a abordagem sugerida no capítulo anterior, de que a leitura, sem a escrita, não faria sentido, sendo a recíproca verdadeira, matéria da Revista Bravo! de abril apresenta uma nova forma de leitura, o Ipad, ferramenta de leitura que possibilita a interação com vídeos, animações e mecanismos interativos a todo o momento. Conforme sinalizado pela revista “(...), a discussão sobre o fim do livro é apenas a ponta do iceberg de outra revolução em curso: a das novas possibilidades de narrar e ler abertas pelas tecnologias digitais”. E este panorama leva a um repensar mais do que urgente sobre as experiências de ler, ouvir, ver e escrever: “Uma nova semântica já começa a se instaurar a partir da internet. Os próprios conceitos de livro e literatura já não parecem mais tão claros diante das novas mídias”.
     Assim sendo, também, com o conceito de escrita, uma vez que a escrita mais disseminada pelo meio virtual demonstra um movimento de retomar a escrita desde sua invenção: através de sinais, de caricaturas, os hoje chamados emoticons. Bastam ser observadas expressões escritas para designar sentimentos, como :( :) *--* ^.^ =D =P ¬¬ =O =B
Os emoticons [fusão das palavras inglesas emotion, "emoção", com icon, "ícone"] são amplamente utilizados por internautas para expressar humor e sentimentos durante troca de mensagens. Além disso, a maioria dos atuais comunicadores instantâneos já consegue decodificar essas combinações tipográficas e traduzi-las por equivalentes pictóricos, alguns inclusive com movimentos animados, de modo que ao digitar :) a seqüência se transforme imediatamente no desenho de uma "carinha feliz", assim .
     E, por fim, um outro exemplo da impossibilidade do estabelecimento de limites para a escrita, nos dias de hoje, é a enciclopédia virtual Wikipédia, espaço no qual quem escreve os verbetes são os próprios leitores, sem a necessidade de algum especialista ou “avalista” do que ali é escrito e publicado.
     Esta aproximação muito grande entre tecnologia e escrita e leitura impõe ao ser humano, ao mesmo tempo em que permite a ele, uma capacitação para bem fazer uso de recursos como estes em prol de sua comunicação. Comunicação esta que a cada dia sofre interferências e alterações, seja na maneira oral, seja no modo verbal-escrito de se expressar. Estar alheio a essa contínua transformação é o mesmo que se alienar socialmente. Neste mundo não-linear, neste ritmo de vida que também não segue em linha reta e definida, não teria como ser diferente no que diz respeito às formas de comunicação e de interação. Temos um conhecimento não mais preso a uma página impressa ou a uma parede. Toda leitura, de todo e qualquer movimento, torna-se uma escrita em potencial, uma nova possibilidade de pensar e de agir e de se fazer ouvir.

Ítalo Puccini