sexta-feira, 27 de maio de 2011

Linguagem de quem conversa com o leitor

Ao final da narrativa de “Jorge, um brasileiro”, o narrador-personagem declara: “E digo para você que não gosto mais nem de me lembrar dessas coisas, e só me lembro mesmo, quando alguém chega e a gente fica batendo papo”.
Jorge narra suas aventuras como se estivesse batendo papo, o que torna necessário um interlocutor, um leitor, que se prontifica a ouvir desde a primeira frase do romance: “Eu estava com uma fome que vou contar para você”, “Pois é, meu amigo, a coisa é assim (...) Está entendendo?”. A narrativa, assim, baseia-se na oralidade, que não favorece a sutileza e a complexidade. Dessa forma, o romance fica estruturado sem divisões em capítulos, com o texto sendo muito ágil, ligeiro para o leitor, com um ritmo contínuo, apresentando uma linguagem simples.
“Jorge, um brasileiro” é uma história oral de um viajante que tem muito a contar ao seu ouvinte/leitor. Jorge narra suas aventuras com base em suas próprias experiências, na vivência do dia a dia das estradas por onde rodou. Uma narrativa tendo como fio condutor uma história principal que abre para histórias secundárias. Como uma avenida que recebe ruas transversais.
O uso de frases longas, de muitos relativos e de muitas conjunções são exemplos de como o livro se utiliza de uma linguagem que remete à oralidade. As pausas de respiração apresentam a característica de quem fala, e não de quem escreve. Narrado em primeira pessoa pelo personagem principal Jorge, o livro conta as aventuras deste caminhoneiro. E conta como se estivesse falando in loco com seu interlocutor, seu ouvinte e/ou leitor. Esta é uma característica muito considerada no romance, que lhe rendeu o Prêmio Walmap de 1967 (O livro ainda deu origem ao seriado de televisão “Carga Pesada”, e recentemente foi transformado em filme de grande produção, com direção de Paulo Thiago, tendo nos papéis principais os atores Carlos Alberto Riccelli, Dean Stockwell, Paulo Castelli, e as atrizes Denise Dumont e Glória Pires).
Conforme é escrito por Antônio Olinto no Prefácio da obra, “É com essa espécie de sabedoria do narrador que finge dirigir-se a uma só pessoa – e pode dirigir-se a muitas – que Oswaldo França Júnior conta as andanças de Jorge. A história vai do começo ao fim de uma só vez. Não há divisões de capítulos nem retenção do fluxo da narrativa. Sem parar, o narrador começa a falar (a impressão do leitor se fixa mais no estar ouvindo do que no estar lendo) e, falando, chega, quase no mesmo fôlego, ao término do que tinha a dizer. O narrador fala para cada um, chama esse cada um de ‘você’, interrompe um caso e, como acontece nos relatos orais, parece ter perdido o fio da meada (e o leitor-ouvinte pensa que ele não mais conseguirá reatar a corrente da estória), mas volta ao caso anterior, às vezes, sem haver terminado o que se intercalara (e o leitor-ouvinte torna a achar que, desta vez, o caso do meio é que ficará sem fim). Depois de muitas veredas de estórias, porém, de muito caso puxa-saco e de uma série de considerações intermediárias, o narrador fecha o romance com extraordinário senso de completidão sem, contudo, encerrá-lo por completo”. 
           Neste romance, Oswaldo França Júnior apresenta ao leitor o universo dos motoristas de caminhão, suas máquinas, as distâncias que precisam percorrer, as paradas, as distrações no meio do caminho, os infortúnios de toda viagem. E tudo isso é contado de modo muito digno e sincero. “Trata-se da confidência em voz alta, confidência democratizada, que fala de experiências vividas e deseja colocar o outro, que a ouve, em contato claro e aberto com uma realidade não mais presente”. É apresentado ao leitor um Jorge, sim, brasileiro. De um Brasil que se descobre à medida que se lê. De um Brasil dos motoristas, que se conhece à medida que se viaja.

Ítalo Puccini