segunda-feira, 23 de maio de 2011

"tudo é amrik"


O mais interessante ao ler e estudar "Amrik", da Ana Miranda, é saber que a autora nunca esteve no Líbano, embora seja casada com um descendente de libaneses, o sociólogo Emir Sader. Segundo as palavras da mesma, “Este livro surgiu como uma homenagem a meu marido, Emir Sader, que é filho de libaneses. (...) Foi uma tentativa de conhecê-lo melhor, através de suas raízes”. 
A escrita leva a um conhecer-se que extrapola sentidos. Isso é muito natural a quem escreve. E a quem lê, parece-me. 
No final do século XIX, muitos cristãos libaneses pobres emigraram para a América – Amrik, em libanês. Mas nada era simples. "Os libaneses saíam do Líbano, pensavam que estavam indo para a América do Norte [...] e desembarcavam na América do Sul. Quando iam reclamar que estavam na América errada, o estafeta dizia: 'Tudo é América!'". A São Paulo do final do século passado retratada pelos olhos de uma dessas imigrantes – a bela Amina, dançarina "dona de um narizinho de serpent of the Nile".
No Jardim da Luz, em São Paulo, final do século XIX, o imigrante libanês cego Naim Salum pergunta à sobrinha Amina se aceita casar com o mascate Abraão. A pergunta lança a dançarina num mergulho em suas lembranças, desde a infância no Líbano, quando a avó a ensinava a dançar no teto de casa, até sua imigração para a América – Amrik – e a chegada ao Brasil.
A história de Amina é contada numa linguagem que floresce das partes profundas da mente. Dividida em 11 partes, apresenta-se ousada, livre, tecida com antigos poemas árabes, imagem das Mil e uma noites, receitas da cozinha libanesa, canções, fábulas, sons, ritmos, crenças, livros de delícias e prazeres.
A pontuação das frases ditas pelos personagens é bastante marcada pela oralidade, algo que também pode ser observado no uso de onomatopeias: “Tenura cantava na cozinha e tilintava suas pulseiras tlinq tlinq tinqlqlql”; “E depois do maldito casamento o Abraão sumiu desapareceu virou fumaça shshshshsft”.
Ao iniciar a leitura do livro, o leitor se depara com uma epígrafe no mínimo inquietante: “Ser livre é, frequentemente, ser só”. Verso do poeta inglês W. H. Auden, esta frase, isolada numa página, abre para leituras que deixam o leitor na dúvida do porquê dela estar ali, e que, a cada página, a cada detalhe a mais que se conhece de Amina, entende-se. Entende-se a frase e entende-se a personagem. Uma personagem que busca a liberdade desde o começo, mas que sofre com a solidão que acaba vivendo nessa busca. Ao final, Amina cede a um estar-acompanhada, mesmo que seja de alguém por quem ela não nutre grande amor. Sua grande paixão, Chafic, ela não consegue alcançar. E entre continuar livre, mas só, prefere a companhia de alguém. 
A história de Amina pode ser, sim, a história de muitas pessoas na luta da liberdade contra a solidão. Acredito muito que sim. 

Ítalo Puccini