domingo, 10 de abril de 2011

O menino, a guerra e a bola


Que belíssimas cenas
De destruição
Não teremos mais problemas
Com a superpopulação...

Veja que uniforme lindo
Fizemos prá você
Lembre-se sempre
Que Deus está
Do lado de quem vai vencer.

(Canção do Senhor da Guerra, Legião Urbana)

            Três palavras como título, excetuando-se os artigos e a conjunção aditiva “e”. Três palavras que apresentam ao leitor, desde o início, o que ele poderá encontrar no livro.  É um título que inquieta. Que segura o leitor. Que não o deixa abrir o livro e folhear as páginas. Ainda não. Antes é preciso pensar que relações se podem estabelecer entre menino, guerra e bola.
            O livro do escritor francês Jean-Baptiste Cabaud, com ilustrações de Fred Bernard, tradução de Monica Stahel, publicado no Brasil em 2009 pela Editora Martins Fontes, encanta desde a capa, ao mesmo tempo em que inquieta. Seduz o leitor para o seu começo. E seduz ainda mais por apresentar na grafia do texto do livro todas as letras “o” em cor vermelha. Fica o leitor, novamente, com a dúvida do porquê é assim. E quando um livro coloca várias pulgas atrás da orelha do leitor é porque ele já cumpriu com seu propósito.
            Ao conhecer a história, então, o leitor entra em uma área disputada por dois grupos rivais. Uma área fria no inverno europeu. Uma área cinza, como toda área de guerra parece ser. Uma área cheia de buracos e de esconderijos, como aqueles em que ficam os dois personagens da história anterior: “Os soldados esperavam ordens absurdas, deitados na lama úmida das trincheiras, tremendo de medo e encharcados. As pessoas que não tinham fugido da zona dos combates se trancavam em casa, apavoradas, sem saber o que fazer para não ouvir os tiros de canhão ininterruptos e para continuar acreditando que sobreviveriam a tudo aquilo”.
            “Mas em todas as guerras há imprevistos”, diz o texto mais para a frente. E eis que o imprevisto surge rolando por um campo vasto. Descendo uma região montanhosa, lá vinha aquela esfera vermelha, “um tesouro frágil e precioso (...). Era um tesouro de couro velho e todo rachado, de tanto que já tinha sido usado”. Era a bola do menino.
            “Então os soldados desviaram os olhos, porque de repente uma voz na colina falou mais alto do que a voz louca. Era uma voz aflita que gritava: ‘Não! Volte! Volte aqui!’ E a voz corria atrás de um menino que corria atrás de uma bola que corria pela colina rumo aos campos de batalha”.
            E o leitor corre atrás da voz que corre atrás do menino que corre atrás da bola. O leitor corre para não deixar sozinho naquele espaço o menino. Porque o leitor, a partir do momento em que lê um texto, dá a este a vida que lhe faltava. A partir disso, então, é preciso cuidar dele e das vidas que dele surgem. Porque toda leitura precisa ser cuidadosa.

Ítalo puccini